terça-feira, 26 de agosto de 2025

Sobre Rimbaud


 
 
Estou neste estado. Imitando silêncios. Você teve o que teve. Assim, na lata. Achava mesmo que este servo não pronunciaria as tais palavras? As disse muito bem ditas. Não me culpo nem nada do tipo.
Percebo que o silêncio é necessário; poderia perceber mais tarde, e o estrago seria mais devastador. Mas em tempo! Não quero ser torrente, não. Agora é só garoa, neblina leve e tênue. O prazer da viagem pela viagem. É aquilo — dê no que der.
É tempo de mudanças. De pôr o pé no freio. Selecionar. Ser gênese. Dizer algo qualquer e sair pela tangente. Mas não, não senhora. Eu fico. Eu sou de ficar. De permanecer, de tentar consertar. Eu não me importo em ser ferido. Eu quero entender. Esqueço de ser entendido. Contudo, só agora aprendo a desistir.
 
 

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Psycho

 
 

 
É quase 19h. Faz tempo que tô chutando latinha. Preciso ligar pra minha tia, avisar que vamos lá na sexta. Mas algo me impede. Tento abrir a boca pra dizer qualquer palavra, e nada. Um simples áudio me deixa bolado. Digo: "vamos aí na sexta!" ou digo:"podemos passar aí na sexta?
Tento algumas vezes, até me conformar com um. Envio. Vejo as redes. Por acaso mudo a foto do perfil. Rápido vem alguém e comenta na foto: "a cara do psicopata!". É impressionante como esses amigos antigos podem resumir a tua pessoa numa simples sentença. Na escola, por um tempo fui chamado de: "O Demônio", assim mesmo com o artigo definido em caixa alta.
E fico com esses nós. O que me põe nesse lugar de esquisitice é justamente o que me envaidece de orgulho. O que será que me entrega? Talvez o olhar. Não parece natural. Talvez as coisas que acho belas. Nos tempos de soldado eu tava passando por uma fase gótica, muito Siouxsie and the Banshees, Sisters of Mercy, Cure, muita noite pondo o cachorro quente todo pra fora no Garage. Deve ser isso. O meu eu psicopata ficou nesse recorte e pra esses amigos ainda sou o mesmo de 2006. Lá eu queria ser o Lou Reed, mas tava virando o Júpiter Maçã no Matador de Passarinho.

I feel fine and I feel good
I'm feeling like I never should
Whenever I get this way, I just don't know what to say
Why can't we be ourselves, like we were yesterday?

terça-feira, 19 de agosto de 2025

"Could you be loved and be loved?"




Que onda! Enfim um oásis: equilíbrio. Escapa um sorriso enquanto vasculho a gaveta das palavras. Existe um método para o uso das redes sociais? Bem, o que é natural e instintivo para uns pode não ser para outros, o que é cristalino também é passível de interpretação. Mesmo esse comentário me soa muito óbvio.
Qual é a cisma com a Obviedade? Os dias nascem e morrem. As estações se demoram. Os meses se acumulam. E nós caminhamos para algum lugar marcado no concerto a céu aberto do fim. Respira, meu bem, a vida tá aí no quente da tua boca! És capaz de me deixar te amar em sua inteireza?
Uma terça dessas. Sem surpresas. Entro em contato com alguma simplicidade. Ontem tripliquei a dose e tudo hoje flui. Antes das 22h meus olhos já estavam cheios de areia. Fico intragável quando entro em shutdown. Uma vontade da caralha de ir de Ian Curtis. Uma semana incapaz de dizer a quem eu amo sobre como sinto sua falta. Apesar da obviedade do meu apego por quem me cativa. É preciso dizê-lo. Hoje consegui girar essa chave. Sinto-me pluma. Consegui ler depois das 17h e Lua me fez companhia. Mas quase pude sentir a sua presença bem aqui comigo.
 
Could you be loved and be loved?

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

"Then it's the bomb"

 

Antes desassociado, agora obsidiado. Despertei eficiente em me ferir, pois não me recordo de outra linguagem útil. Dedilho por longas horas os gumes dos fios. Que dor somatizo! Decoro a canção. Corro na estrada. Canto a canção e corro. Que prazer o vento talha no meu rosto! Que charme rústico pronto para ser consumido! Corro e não chego ao destino, logo serei atingido...
Em casa retiro os óculos e ponho na mesa. Esfrego os olhos e desligo a luz. Ao pé da cama os chinelos brancos. O sépia se espalha. O monitor tremeluz. Ao trabalho, ao trabalho! Mas ignoro a voz da sensatez e cavo fundo. Encontro lama e piche e fossilizo. Meus versos estromatólitos. Eu meteorito. Pedra quente em estado de queda contínua.
Tudo gira nesse lado do Rio. Achei que uma semana seria o bastante para manter aquele desejo. Tenho que me esgueirar. Tenho que traficar meus verbos em parábolas. Não me ilumino, mas estou branco, mais alvo do que a neve. A cor triunfal do morte me amortalha os sentidos e me sobe um gosto completo de vazio. Quem sabe, nesse agora ignorado, eu já tenha encontrado contigo?
 
Spending warm summer days indoors
Writing frightening verse
To a buck-toothed girl in Luxembourg

Janice Whaley - Ask

domingo, 17 de agosto de 2025

"No hope, no harm"

 

 
 
Algo acontece longe. Há tempos eu não tinha essa impressão das coisas. Hoje acordei fora do meu corpo. As águas baixaram lentamente e nenhum corpo vivo foi encontrado. Eu tô num loop. Penso: como aplicaremos o método? Simples. Façamos o mesmo toda vez. Convictos de que teremos resultados diferentes. E, tendo o que se quis, aprendamos a conviver com a maldição de realizar esse desejo. Nada mal, né?
Hoje me vi de fora. Sentei ao lado da cadeira do tempo e observei em silêncio. Me inclinei e deitei no vazio. Terminei o Cruz e Sousa. E rapidamente encontro outro livro. E de pé declamo. Mas as hordas infernais nos tripudiam com bafos de gás mostarda e enxofre.
Procuro em meus papéis algo quente, menos down e mais shiny. Acabo com um punhado de manuscritos. As primeiras páginas de um romance. Um romance que precisava ter um nome igual ao teu.

No hope, no harm
Just another false alarm

 

sábado, 16 de agosto de 2025

Different Stars


Pelo caminho as roseiras me ouviram, iam subindo pelos muros e cercados, e eu lhes contava sobre Tudo. Os cães farejavam alguma dor a uma distância considerável. Dois gatos velhos se encaram, disputam território. Em poucos segundos — tudo cinza. Bem ali na nossa face, cor de chumbo. Um trovão estala. Chuva. E desaba quem? O Nada.
Passei pela porta da igreja. Estava fechada. Os anjos estão aqui fora. Andam em círculos. Bêbados. Dançam algo, que engraçados. Peço-lhes uns tragos. E trago. Sento sob a sombra da amoreira e sou abordado pelas lagartas policiais. Checam meus antecedentes existenciais. Encontram no meu arquivo um livro autobiográfico mal escrito com o título: "O Nada."
Estou numa delegacia da existência, vim me entregar. Mostrei a eles meu sorriso cínico. Rapidamente conduziram minha prisão. Daqui a poucos minutos sou julgado. Mas todos sabem, não há chance. A condenação é garantida. Levo as mãos aos olhos e desabo uma nascente. Mas já era previsto. Chove. Agora eu era  enchente procurando pelos vivos.
 
Oh the weight it must be light wherever you are
And i know you don't think twice wherever you are 
 
Trespassers William - Different Stars

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Já?


 
Pela manhã, depois do café, escolhi um poema para postar no Essentiae. Um soneto de comemoração. Postei nas redes e respondi uns recados. Desde fevereiro, data do início do tratamento, tenho sentido que, lentamente, alguma metamorfose acontece. De inseto a homem. Acho que não pega bem falar sobre assédio feminino num mundo misógino como este. Aprendi minha lição. Pretendo reescrever o texto. (Se você leu antes de ser deletado, me perdoe: sou uma marionete do exagero.)
Primeiramente, pensei em criar um heterônimo. Escrever com liberdade e veracidade factual, sem me preocupar com os envolvidos. Mas não. Qual a graça de relatar a obviedade dos fatos sem pincelar nenhum traço de cor ou de brilho? Fico com meu nome. Criemos outros signos: será mais belo assim, será um exercício de ética. Entendo o que me disse um amigo sobre achar meu caminho, como Paulo de Tarso, entendo tarde. Já garotiei demais.
Sempre um estrangeiro. Onde quer que se vá, o outro nos incomoda — em sua constância ou não constância. Queremos mesmo é nos satisfazer, preencher as lacunas, quando a solidão está por toda parte. Ser objeto e tornar objeto, ter controle. Então me resta afundar a cara na literatura, na clássica majoritariamente. Ando, como antes, cansado de mim. Penso em aumentar a dose da medicação por conta própria… Se eu por vezes não me suporto, devo entender a resistência alheia a mim, pôr meu violão nas costas e me calar. Se eu não me suporto, como não entender que minha ausência é benéfica? Vê que estou pirando novamente? A próxima consulta é na sexta que vem.
 
Tashaki Miyaki - Take My Breath Away

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Lua em Aquário


Fui pesquisar por anda minha Lua. Descubro que ela não anda, que nada ou flutua em Aquário. Que significa? Não entendi bem, acompanhe:  a interpretação me diz que minhas relações afetivas são contextuais, ora tendo ao acolhimento, ora questiono o passo adiante na entrega. Que significa?... Que pouco importam os signos, oras! Que tipo de agnóstico é esse teu servo, que crê em signos? Não os creio, mas que existem, existem!
Tudo que põe o comportamento humano numa caixa, aliás, tudo que põe qualquer coisa numa caixa me é atrativo, sedutor. Seria tão mais fácil a classificação das personalidades, costumes e pormenores se houvesse um campo onde se preencha, à caneta, esses tópicos, e que se atualizem os arquivos, caso haja mudanças. Utópico? Julgue-me. Nada mais natural, tentar enfiar o caos nesse quadrado lógico. Natural para minha mutação, para qual nada existe além do tempo...
Anoitece. Aguardo a Lua. É quarto minguante. Diz-se que interfere no crescimento do cabelo, na gestação, nas marés. Por que, também, não seria agente na nossa personalidade? Volto ao início. É um ciclo. Que prova empírica há sobre isso? Qual a necessidade de prova empírica? Acaso a verdade sobre a Lua é útil? Nem a poesia é útil. Deveria ser? Que verdade é útil na pós-modernidade? Enfim, vou pesquisar em qual fase lunar devo aparar as pontas do cabelo. Ainda não escureceu por completo. O céu parece tingido.

I saw it written and I saw it say
Pink moon is on its way
And none of you stand so tall
Pink moon gonna get you all
It's a pink moon
It's a pink, pink, pink, pink, pink moon 
 
Lotte Kestner - Pink Moon

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Dia sem Sol no Rio

Praça da Bandeira, RJ


Penso no que faz o Sol quando não nos ilumina. Essa estrela que nos ampara e alimenta. Não cogito respostas da astronomia, menos ainda da astrologia. Falando nisso, fiquei de procurar minha certidão para ver onde me cai a Lua, não a gata, mas o satélite. Uma nova amizade me convenceu que saber disso é importante. Mas penso na metafísica do Sol. Suas demandas, suas marcas, sua atmosfera. O inverno tem sido bem presente no Rio, mais ainda nas primeiras horas do dia.
Que planta eu seria? Um epiphyllum, certamente. Cactos florescem. Já sonhei ser um cacto. Cactos tem espinhos e ferem a quem lhes atreve tocar. Talvez eu já seja um cacto. Senão todos, todos nós somos cactos. Florescemos, mas podemos ferir a quem nos atreve tocar. Entretanto, estendo a mão, mais ainda, proponho o beijo. O que pode saber do Sol um simples cacto carioca na vertigem dos seus anos vulgares? Nada, apenas faço fotossíntese. Quase não perfumo.
Onde é a casa de veraneio das estrelas? Elas tem uma galáxia na beira da praia, é vero. Vão molhar os pés no mar, num paraíso tipo o litoral de Parnaíba ou na Barra do Cunhaú. Às vezes bate uma bad. Procuro a janela mais próxima, olho o céu, respiro. Torno a digitar, torno a trabalhar, torno a ler. Talvez seja só isso. Esse exemplo. O Sol entra numa, vai até a janela e nos olha, suspira, depois volta aos seus afazeres solares e talvez pense: que faz da vida esse poeta? Vive de quê? Tráfico de drogas?...

Tampouco turva-se a lágrima nordestina
apenas a matéria vida era tão fina 
e éramos olharmo-nos, intacta retina 
a cajuína cristalina em Teresina

Caetano Veloso - Cajuína 

terça-feira, 12 de agosto de 2025

"Ache belo tudo o que puder."

 

 
Decidimos reassistir Seinfeld. Deve ser a oitava vez. São as mídias de conforto. Não sei se esse conceito cabe a todo mundo. Será que todos têm suas mídias de conforto? Um filme que você reassiste, sabe as falas de cor. Um disco que marcou um episódio da vida, alguém... Um livro desbotado que gera sempre uma nova expectativa.
Eu tenho um ritmo de conforto: o blues. Mais óbvio, impossível. O blues tem algo de mantra, de conjuração. Um meio tom na pentatônica. A cor azul, associada à tristeza, o pano de fundo panorâmico. O bom blues, como o bom samba, tem que saber chorar.
Ou não. Desconsidere. Que ideia desse servo caipira, caipira... Passei dois dias fumando haxixe e comendo bolo. Não necessariamente nessa ordem. Foi o que fiz. Não fiz nenhum diabo de blues. Toquei umas três canções dos anos 80. 
 
I need a love
Not games
Not games
 

sábado, 9 de agosto de 2025

Madureira

 
Madureira 05/08/25

Pela manhã, fui ver a moto. Provável problema de descarga. Retirei a bateria e levei no Dennis Baterias, perto da Loja dos Parafusos. O Dennis me sugeriu uma carga de três horas. Assenti, paguei e voltei ouvindo a versão de Wonderful World da Stacey Kent.
Bati ponto na velha reforma de sábado, agora já alcançando o corredor para a cozinha. Fiz o pedido de materiais — chegam na segunda. Depois do almoço, fui buscar a bateria no Dennis. Instalei. Pegou no estalo. Dei uma volta pelo Condado para sentir alguma coisa. Não senti nada. Absolutamente nada.
Voltei para casa e decidi começar o livro novo. É vergonhoso ter lido apenas a prosa de Rimbaud durante todos esses anos... Que seja. E começo a amar o livro, previsivelmente.
Fecho o livro. O tempo no Rio mudou de ontem para hoje. Decido dar uma volta. Parei com a bicicleta perto do Bar da Amendoeira. De lá, vi as montanhas do Condado cercadas de nuvens dramáticas, os bambus, os abacateiros — todos cabisbaixos. Tocava Arlindo no som de alguém. Não pude identificar de quem. Dia triste no Rio: perdemos um dos mestres.

Arlindo Cruz - O Meu Lugar

sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Feliz dia do gato.

 
Morpheus

 
Uma semana foda. Fiz suporte. Fui suportado. E frase de efeito no fim.
Estive na clínica como acompanhante. Enquanto a médica se atualizava sobre os dois meses em que não viu a paciente, eu observava a fonte do gabinete do seu desktop: uma fonte paralela, com seletor de voltagem. Aquilo me dava arrepios. Mas eu não tinha intimidade suficiente com a doutora para dar palpite na configuração do seu PC. Foram umas cinco consultas assim — eu focado na fonte e respondendo aos telegramas da doutora, quando em vez.
Belo dia, ela trocou de fonte. Desta vez, uma com PCI ativo. Depois, um mouse novo. Um teclado mecânico: dava pra sentir na pele os clicks do switch azul, algo que só pode ter sido muito bem planejado. Escreveu a carta para o farmacêutico, carimbou e fomos nós.
E teve a minha vez. Uma assistente social. Um médico com um notebook. Um estagiário. E uma médica?, responsável pelo contato com este que lhes serve, vulgo eu. Não pude perceber qual clima se instalava no ambiente. Eu estava dormente, provavelmente possuído. Em cada pergunta, insisti em responder a verdade. E novamente enfrentei o espanto — agora já preparado. Saímos do consultório para deixar aquelas cabeças pensantes pensarem.
Nos chamam de volta. Pedem para a gente sentar. Me entregam o cartão amarelo com meu número de inscrição. Daí fui ficando coloquial. Aquela cor mudou algo em mim. Fiquei meio aquele meme do John Travolta no Pulp Fiction. Doutor Notebook me fez uma receita e, sussurrando, disse:
— Não se preocupem, a dose vai aumentar!
E riram muito.

And everything was made for you and me
All of it was made for you and me
'Cause it just belongs to you and me
So let's take a ride and see what's mine

Siouxsie and The Banshees – The Passenger
 

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Help!


O Help! faz 60 anos. Fiquei pensando quantos posts eu aguentaria sem mencionar os Beatles aqui. Aproveito para meter o Bob Dylan no meio, já que está ligado — ainda que indiretamente — à produção desse disco. Antes da gravação, dizem as más línguas, o senhor Dylan apresentou aos mop tops de Liverpool a erva mágica. Help! é um marco na transição que desembocaria no Sgt. Pepper’s.
Fico a matutar nessa palavra, nesse conceito. Para além do disco e da canção — o pedido de ajuda. Nem sempre a palavra é dita. Nem sempre é tão claro identificar os sinais. Veja o silêncio, que dentro de uma narrativa bélica pode comunicar tensão. Perceba os decibéis da implosão, que no esteio da paz geram atenção. Quem pede socorro, às vezes, se destrói pelo próprio pedido. Algo, no mínimo, contraproducente — coisa humana demais.
Esta semana, me obrigaram a pedir socorro novamente. Não que eu não precisasse daquela ajuda. Fato é que necessito. É um porre contar ao meu socorrista a história que me leva até o pedido. Não que eu não goste de contar histórias — me agrada, e muito. Mas não estas, que vivi e que são dolorosas demais para descrever. Já as repeti para outros socorristas, que me indicaram novos socorristas, ou sumiram do lugar destinado ao socorro de ordinários como eu.
E desta vez? Será que a mão salvadora me toca? Bem, tudo leva a crer que o Help! continua sendo um ótimo disco.

When I was younger, so much younger than today
I never needed anybody's help in any way
But now these days are gone, I'm not so self assured
Now I find I've changed my mind and opened up the doors

The Beatles - Help!
 

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Vamos Sair da Linha?

Central do Brasil, RJ

 
Agora tô dando uma de moderninho. Deu vontade. Está bem claro, para nós, que a vida é curta demais para tanta vontade, essa vontade de potência, que nos eriça os pelos da nuca. Não é que na juventude eu não tenha experimentado, na verdade, eu era meu próprio experimento. Recordo as prosas colegiais que pegaram o retorno na circular, capotaram e se levantaram versos. Versos colegiais. Hiperfoco monotemático. Mudemos pois. Então falemos da vontade. Donde vem esse desejo que nos toma tão sexual, digo, literal? Não é como se, ao despertar, depois de irmos ver como vai o tempo pela janela, decidíssemos que falta literatura no mundo, e que somos a solução... Trata-se de uma pretensão lunática. Como já disse a uma querida amiga: "escreve quem carece de caráter". Calma lá, desvio de caráter no bom sentido! É preciso ser a dissimulação encarnada para produzir um texto convincente. Quem nos pediu poemas, sentenças, orações? Alguma literatura já teve sucesso nesse mundo? Se sim, por que estamos nesse estado de nihil sináptico contemporâneo? Ok, aqui fui tendencioso e pessimista. Tem gente que gosta de escrever por aí. (Estou falando de você.) Quem sabe se aquela pessoa deseja ser ouvida? Alguém que se debruce ao seu lado sobre o abismo e tente ver se ele olha de volta para os dois. Escritores querem ser ouvidos. Querem ouvir. Alguns contentam-se com o eco da própria voz. Outros fazem da voz alheia a sua. Tento me distanciar dos extremos. Nada de over. Vou ficar pianinho. E se eu tiver que sair da linha, espero que valha mesmo a pena, e que seja contigo, ok?

Me veja nos seus olhos
Na minha cara lavada
Me venha sem saber
Se sou fogo ou se sou água

Angela Ro Ro - Amor, Meu Grande Amor

terça-feira, 5 de agosto de 2025

Trem

19/01/2020


Atravessamos o Rio de Janeiro hoje. Dia cinza, cinza. Combina não. Lembrei do tempo da covid, e como trabalhar numa veterinária me tirou do sufoco, era um trabalho essencial. Morria um tanto de gente e o imbecil do presidente debochava, dizia que não era coveiro — maldito! Olha, nunca tive tanta vontade de perder o réu primário como naqueles dias – não mencionarei seu nome, palhaço oitentista de merda.
Trem vazio, beleza. Essa é uma foto da época. Encontrei os velhos ambulantes. Ainda os mesmos em cada estação. Passei pelo Jacaré, o perfume de flor carburada ainda persiste por lá. Não sei porque empaquei no Blue Mitchell nessa semana. Até que caiu bem o jazz nesse agosto gris da Central...
Não me encanta tanto a Guanabara. Nem foto tiro. Olho para os prédios. Descemos depois do túnel. Botafogo. Bato uma foto do museu. Usar o verbo bater para tirar uma foto, talvez, soe cringe. Que seja. No caminho senti que um anjo falava comigo. Confundia-se sentir com ouvir. Mas, em minha condição, só me era permitido responder em prosa. Em prosa escrita e sincera.

Blue Mitchell - Dorado
 

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

O passo do Lui




Não quero falar sobre Você. Já bebi litros d'água. Queria voltar ao passado na sombra de Clarice, penso intrusivamente. Logo me contrario. Ser a sombra de Clarice me estragaria Clarice. Bastam apenas seus livros. Quantos li? Não sei. Eu os li... Quem sabe? Vê como não vou falar de Você? Estava tentando tirar Romance Ideal. É em Mi maior. Parece algo que o Tim Maia comporia. Parece Você.
Achei uma fórmula em três parágrafos. Só mais um método para teorizar as reprises. Tive um sonho na última noite. Onde eu comia 5 abacaxis por dia durante uma semana. Ia dançar o blues em São João de Meriti. O blues. Onde? Meriti. Tenho total ciência que lá só tem gafieira. Total ciência que tenho dois pés esquerdos, o Ian Curtis perto de mim é um Fred Astaire. Mas sonho é sonho. E quem estava lá?...
Você, do Tim Maia, por sinal, ganhou uma versão dos Paralamas. Essa canção me lembra aquele San Marino azul, cordas de aço. Entrei naquela loja de instrumentos na Pavuna. Ali do lado de São João de Meriti. Você foi uma das canções que escolhi para aprender primeiro. Tim Maia era o bicho, né? 

se eu queria enlouquecer 
esse é o romance ideal

Paralamas do Sucesso - Romance Ideal
 

domingo, 3 de agosto de 2025

O culto




Ando cultuando o Sol. Mas não há nada de maia por aqui, caso questione. Minha família é resultado dos descendentes de escravos: os Lima de João Pessoa, também dos portugueses, os Machado de Santo Antônio de Pádua, pertim de Miracema. Afora, algum italiano perdido, que me deixou essa predileção por massas com queijo. 
Tenho aprendido com este culto solar. Contribuo, como me cabe, para o conteúdo lírico do culto. Já em mãos uns 10 sonetos solares, organizados numa série arbórea. Talvez o Sol se pergunte – isso será para mim? Tão magnânimo o Sol, o que é próprio das estrelas. E eu, envaidecido, oferecendo meus sacrifícios de flores douradas, lhe responderia – se não fosse para ti, nem eu seria.
Naturalmente o Sol nasce. Aprendemos seu analema. Habituamos nossa colheita, nossas festas. O culto tem prosperado. Não nos perguntamos quantas voltas já deu, quantas dará, apenas o louvamos, ajoelhamos com nossas mãos postas, rendemos graças, pois nos foi dada a sua bela Glória, que nos realiza. Ai, Sol! Como saberei se minha oração te acontece?...
Não me cabe saber. Devo cantar. Para isso são os carbonos que me habitam. Devo cantar sem tocá-lo, sem atingi-lo. Feliz por ser quem sou, assim, arrebatado. No entanto, também calar em mim o desejo de ser engolido.

I've been waiting so long
To be where I'm going
In the sunshine of your love

Ella Fitzgerald - Sunshine of Your Love

sábado, 2 de agosto de 2025

Conversa com Umabel


 
 
Algo me aconteceu hoje. Ao escovar os dentes, vi que meu reflexo, no espelho, me olhava fixamente. Já mencionei, num texto apagado, sobre a sensibilidade ao olhar que me acomete. Porém, trata-se de um distúrbio regrado — é necessária a participação corpórea de outra pessoa. Reflexos não me fazem efeito.
Hoje me percebi acontecendo. Acontecendo por acontecer, sem pensar, apenas ir, ir indo. E me percebi novamente estúpido, como há 15 anos atrás. Com a boca espumando Colgate, ali naquela hora da manhã, me constrangi de mim. Bateu-me no fuço a vergonha de eu ter sido tão mesquinho, apegado ao que vale um troco qualquer, uma mísera lata de atum — Touro com ascendente em Touro, é Vênus na cabeça. 19 de maio, a quem interessar. 
Hoje, ao iniciar conversa com a Cabra... Deixa-me pintar: (você fala com a pessoa.) É dada a largada. De repente – uma pista, chão de terra, e vocês correndo atrás do Coelho da validação eletrônica. Ali do teu lado, tua ami... adversária. Vocês trocam troféus de conquistas. Mas sempre de olhos fixos no Coelho da validação. Coelhinho veloz. Qual tempo para ler, para ver um bom doc, qual tempo pra estar com quem te socorre? Só há tempo para o maldito coelho e essa corrida fútil, que você não pediu para correr, e se está correndo conscientemente, olha, sinto muito! Coelho porra nenhuma. Nem coelho é. Mas como quer pegá-lo! Que fascínio... Ai, cansa...
Não fui exposto ao afeto na primeira vida, muito pelo contrário... Acontece da humanidade alheia me causar estranheza. É um choque. É luz. É o Sol. E logo tenho certeza — esta pessoa sabe o que é afeto. Toca-me onde deixei tocar, nesse lugar sensível. Onde, naturalmente, mordo. Não ela. Ai, Umabel, vou acabar amando essa pessoa... Umabelzinho, donde brota tanto mel natural? Zero, zero açúcar! Não é para amar this goodtrain? yesyes? yesyes, honey!

I'm not gonna get roughIf you just let me be sweet to you, babyI wanna give you everythingOh, and try to be anything you want me to be
 
 

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

From The Lions Mouth



Você se dirige para a fila do primeiro contato. Pergunta-lhe para onde ir. Ele, cortês, aponta as escadas: — direto, depois à direita, você encontrará a responsável pela senha. Tudo bem, é só subir e catar a senha, à direita. Você sobe. Encontra o fim da fila para pegar a senha. Pega a senha. Então a moça responsável pela senha diz: — ali tem a fila para a triagem. Você caminha para o fim da fila da triagem. Você chega na triagem. Explica a sua situação para o responsável da triagem. Ele pensa. Nos encaminha para o fim da fila de casos especiais. Na fila de casos especiais, encontramos a agente que trabalha especialmente. Ela avalia nosso caso especial, verifica os dados que nos correspondem. E faz o requerimento do cartão. Somos instruídos a falar com o responsável pela captação, para que ele nos mostre o fundo da fila da confecção de cartões. Assim que chegamos à confecção, apresentamos os documentos necessários. Em poucos minutos, pouquíssimos, já estamos nos dirigindo para o começo da fila de saída.

Look in my eyes
See the lust and the love
Look in my eyes
When I'm talking to you

 

quinta-feira, 31 de julho de 2025

Repeat




É tão bom quando descobrimos uma música que vibra na nossa frequência. Costumo esgotar totalmente o repeat com elas. Meu recorde, segundo o Last.fm, é com a If You Don't Know Me by Now, a versão do Simply Red — 125 vezes. Provavelmente, um laço atrelado ao casamento da minha irmã. Lembro que a filmagem teve Simply Red como fundo.
Eis a complexidade do over. Essa, que também se estende às outras áreas. Culinária — já passei meses almoçando banana-da-terra assada na manteiga, com ovo e pimenta. Livros — teve um semestre que reli Da Costa e Silva tantas vezes o quanto nem me atrevo a numerar. Trabalho — houve um tempo que só conseguia exercer bem minha função, se antes, carburasse um beck. Percebe, né? Trata-se, talvez, de um distúrbio compulsivo. 
Assim, também, funciono com as pessoas. Apaixono-me, de fato. E ponho-as no repeat. Quero sorvê-las a inteireza, quero tocá-las nos seus defeitos, nos seus carinhos. Mas há ruído. Aqui, entre sentenças e ajustes sintáticos, me desenrolo sob controle, atrelado à escrita. Um ticos truncado, rude, porém cristalino. Pois gosto de me acreditar assim. Mas aquele meu eu-deslírico me sabota constantemente. Diz não diz. Surta-se. Impede-me a rigidez. É o meu espantalho na colheita das horas.

Just get yourself together
Or we might as well say goodbye
What good is a love affair
When we can't see eye to eye?


terça-feira, 29 de julho de 2025

Pacato

 


Pacato era irmão da Lua. Fã dos Smiths. Sabemos que a preguiça é uma qualidade felina. Mas ele levava a sério demais. Foram diversos os lugares onde exerceu sua existência. Era um gato um pouco relapso, alheio às coisas que aconteciam. Um arzinho blasé. Ignorava completamente quando eu o chamava, apenas mexia a cabeça ou abria os olhos, não saía do lugar ocioso da vez. Pleno.
Lembro que, no meio de um meltdown, em que eu me contorcia em ruminações, ele se aproximou. Deitou sobre meu peito e começou a ronronar. Ele entendia? Vai saber!...
Não concordo com as fezes que o Morrissey fala hoje. Basta conhecer um pouco a realidade de alguém, especialmente se for um artista brilhante, que nossas convicções se esfarelam facilmente, quase sempre exponencialmente ao nível de brilhantismo. Aqui tento justificar meu gosto pelos Smiths. As letras do Morrisey têm algo, especialmente um algo que conversa com adolescentes problemáticos — redundância crua, né? É um dos sons que procuro quando estou pra baixo... Você tem algum método para ouvir música? Costumo tentar escandir a personalidade das pessoas por seu gosto musical. Uma amiga me disse que eu deveria evitar músicas depressivas, principalmente em tempos de crise. Mas entenda — não é a canção que me deixa triste. Ela é apenas um eco de frequência. É confortável ser tocado por alguém que passou algo semelhante, que também tinha essa mania alquímica de extrair beleza da dor.
Perdi alguns gatos para o veneno, omito a quantidade...  É estranho, sabe. Alguém te vê. Sabe a hora que você sai e chega. Planeja por dias ou meses, quem sabe? Decide matar o que você ama. E mata. Encontrei o Pacato morto num dia absurdamente estressante, nos tempos de auxiliar de veterinária, o que me ajudou a identificar o método, claramente envenenamento. Era um gato especial. Não sei se, na época dele filhote, eu ouvia muito os Smiths, e por isso aquele som o satisfazia. Ele podia estar em qualquer parte da casa. Bastava o Johnny Marr palhetar algo. Pacato vinha e se estirava perto do som. Deitava e ficava ali, ao meu entender, curtindo a vibe azevediana comigo.
 
The note I wrote as she read, she said
Has the Perrier gone straight to my head
Or is life sick and cruel, instead?
Yes! 
 

sábado, 26 de julho de 2025

Indiretas

 
 
 
Será que hoje é um bom dia para escrever meu primeiro salmo? Talvez eu começasse com um bendito seja, então assinalasse coisas boas, coisas boas reunidas, apuradas pelo senso comum. Um bendito seja seguido de uma enumeração de singelezas, que enchessem os olhos de lágrimas de quem me leia. Que inspirasse a boa nova. Quem sabe daqui uns anos, no acesso casual de um agregador de links, um jovem entusiasta da neopsiquiatria, me encontre os salmos hospedados em servidores arcaicos, geridos por IAs governamentais. IAs responsáveis por todo acervo artístico humano. Quem sabe este pálido ponto azul não seja o mundo que me habita, nele os salmos que fiz, e também os que deixei de fazer. Sem glória alguma. Apenas um álbum, um arquivo qualquer datado de ano tal, mês tal e dia. Haverá, no futuro, o curador de literatura digital. Este ficará responsável pelo acervo, pelo catálogo, pelas cadeias de indentação. Separará a neoliteratura por tags de assuntos e estilos variados. Será assim. Logo logo o papel se tornará obsoleto. Se consumirá apenas o dado poético. E cada consumidor, no instante do boot sináptico, alimentará seu algoritmo com as tendências neoliterárias que lhe convir.
Não me agrada bendizer porra nenhuma hoje. Tenho não dito muitas coisas ultimamente. E é trabalhoso não dizer.  Requer certo desempenho muscular para por a boca como se fosse dizer a letra M, mas deixar as cordas vocais inertes. Ameaçar a palavra...
Devia ser grato por ter saúde, um lar confortável... Devia ser grato por ter acordado hoje. O sol veio como sempre e já está indo. Nenhum lirismo. Só o sol. Gratidão pela música que me acompanha. Eu me orgulho tanto do que ouço, do que leio. Entretanto, é difícil ter orgulho de ser. Eu deveria ter orgulho de ser? É possível isso? Foi algo que conquistei? Ser?...
Talvez hoje seja um ótimo dia para escrever meu primeiro salmo. Vamos lá. Bendito seja... Bendito seja... talvez esteja sem combustível... Bendito seja... Bendito seja... será o fusível? Motor de partida? O gás? Bem dito seja Bem dito seja Bem dito seja Bem dito seja...

When you see me again
I hope that you have been
The kind of person you really are now

quinta-feira, 24 de julho de 2025

Rita Lee




Eu fui criado entre muitas mulheres. Um ambiente de salão de beleza. Dona Mãe sempre sonhou voltar aos seus tempos áureos — a sua mítica Escola de Cabeleireiros. Enquanto isso, ia abrindo salões no subúrbio do Rio. Muitos, pra não dizer a maioria, faliram. Dona Mãe era trabalhadora sim, mas seu gênio com tendências tirânicas atraía somente as amigas masoquistas. Diferente das clientes que eram compostas do mais variado estilo, inteligência e personalidade. Ouvi suas histórias. Eu era muito atento. É impressionante você ver e ouvir uma mulher em seu ambiente confortável, entre outras, a comentar sobre qualquer assunto, tendo como principal o casamento, os filhos. As notas que eu tomava eram especialmente dúbias e nebulosas, muitas delas só fui entender anos depois, muitas delas eu não entendo hoje, muitas delas acho que nunca vou entender! Mas nada me impede tentar. E como eu tento. E é maravilhoso tentar entendê-las. Por isso não creio em homens poetas. Como assim? Que isso tem a ver? Você pode perguntar. É direito seu perguntar. É simples responder — um homem enxerga a beleza de forma muito objetiva. Mas a mulher, graças a Deus, é muito diferente! Oh, eu ouvi um aleluia?! 
Aí temos a Rita Lee. Na época da Rita Lee dizia-se que para fazer o rock, um bom rock, tinha que ter culhões! E ela, saída dos Mutantes, vulgo clube do bolinha de ácido, provou que não é só possível fazer o rock, um bom rock sendo mulher, como é também possível ser melhor num nível que até me constrange descrever. Tanto que os Mutantes sem a Rita Lee ficaram tipo os X-Men sem a Tempestade — Uma bosta! E quem me conhece sabe que é nas descrições que tento esconder minhas tristezas. Adoro a Rita, ela merecia que eu escrevesse sobre ela em uma noite diferente desta. Essa noite, servida de muita estupidez e pouca paciência, um composto perigoso nas mãos de um homem primitivo como eu, logo me dá vontade de bater no peito e balançar meus galhos. Para mim não é possível fazer um bom rock, porque tenho esses benditos culhões.

No ar que eu respiro 
eu sinto prazer 
de ser quem eu sou 
de estar onde estou
agora só falta você

Rita Lee & Tutti Frutti - Agora só falta você

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Do café e da paixão




Esse é o Café. Como podem ver, pertence à ordem dos black cats. Café — um nome bem comum e ordinário para um gato preto. Mas eu amo café! Amo! E tanto, que não maculo seu sabor com o quinto cavaleiro do Apocalipse: o açúcar. Beber café sem açúcar é um caminho sem volta. Você começa a sentir as nuances de sabor, aquela tessitura interpretativa-gustativa que você tinha é modificada, agora em tudo você sentirá a língua visguenta do açúcar, nos sucos e vitaminas, nos doces, daí é um passo a sentir o açúcar nas vozes que te cercam também. E é libertador poder expurgar esse dulçor abjeto do teu convívio e beber as coisas como são, sem essa capa, esse jogo. Mas falemos do Café - o gato. Soubemos que a gata da padaria tinha emprenhado, então fomos comprar pão. Lá nos convidaram a entrar e ver, assim, sem nenhum plano de nos convencer o coração, nada que tenha sido combinado antes! Logo, de um forno velho e enferrujado, podia-se ouvir o miado dos filhotes. Prontamente escolhemos o mais dócil. E era um encanto. Mas cresceu e começou a praticar furtos. Daí veio a primeira caça ao cio e pronto — sumiu. Quando eu já tinha me conformado e dado ele como morto, oito meses depois — eis o filho pródigo de volta ao lar! E quando menos esperávamos também — morreu. Será que voltou para morrer? Já tinha feito a conta: das 7 vidas que tinha, 6 foram descartadas. Aqui entra a questão: mesmo sabendo do perigo, dos impropérios urbanos e felinos, foi e fez. E saiu. Correu telhados à luz da lua. E se apaixonou. Como é da natureza da paixão, seguiu-se a tragédia. É batata! Por isso, ao me apaixonar, isso é, quando identifico que estou obcecado por algo ou por alguém, aproveito e tento transformar a bendita obsessão em outra coisa, talvez  verso, em música, em fumo. Eu ponho o diabo pra fora com requintes, mas sem pompas, que estão em desuso. Jamais, milady paixão,  este servo irá guardar-te só para si. Vai que morro?

Oh, you know I try so hard to do her right
But it seems like everything I do is wrong

Muddy Waters - Crosseyed Cat

terça-feira, 22 de julho de 2025

Suporte

 

A poesia nunca esteve tão viva. Vem dando sua mão a qualquer um que se propõe a traduzi-la. E o que há que, ela, a Poesia, não toma de assalto o mundo? Não explode um atentado de versos na embaixada das Redes Neurais? Não. Já vi seus passos largos — rastros oníricos, perfumes de laranjais florescentes, ululantes perfumes, narcisos espelhados na íris, semiabertos de prazer, de químicas setentistas — surtos cítricos de ouro e bronze, que palhas crepitam nos teus lumes saltitantes, que cópulas astrais!... Ufa! Tá um tédio. Vim acompanhar minha irmã nas compras, ser seu suporte. Veja bem, como deve ser a mente de uma pessoa que me tem como suporte? É bater louco para palma dançar. Atentado poético? Não faz teu gênero, Poesia. E se faz, fará por outro meio, um que desconheço completamente. Apenas suponho a tua liberdade. Aqui do meu bunker de musgo e música. Afinal, o silêncio absoluto não é lugar. Não aqui neste plano. Onde estão os aliados de Eros, os sinos do luto e do natal, as aves de cristal vivazes, crocitantes, as gralhas, as galhas aninhadas nos outeiros, onde estão as harpistas, as corneteiras de ébano e marfim? Tomando expresso? Atravessando com pressa as faixas de pedestres? Clicando mouses e teclados grudentos. Abastecendo seus veículos. Indo à academia suar, pagar para correr! Estão lá os poetas de hoje escolhendo abacates no hortifrúti, montando cronogramas, tomando detox, comendo coxinha de charque! Eia! Que a bravura irrompa ventos nesses edredons de conformismo! Eia! Convoco a Serpente para morder o pulso do Arcanjo e sua bunda, sua bunda! Transmute-se o cansaço em estro, nada de protelar, que reine o ócio e a preguiça e o desejo e o TDAH. Que te assombre o profundo tédio em não dizer, em represar, em ser! Este servo lhe agradece a preferência. Jesusmeupai, já viram como o azeite tá caro? Um rim!

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Como e porquê




Tive uma vida urbana até uns 10 anos atrás. Era um cachorro do trem. Corria o subúrbio do Rio — um vira-latas grunge, jeans rasgado, descabelado, mochila cheia de versos,  dois maços de Hollywood azul por dia, sempre pronto a me embriagar, me entorpecer, a lamber, a me esfregar. Mas antes, para melhor entender esse episódio, preciso contar o como e o porquê. Como saí de casa? Houve uma discussão que não me recordo o motivo, dessas que engatilham rancores submersos, que nos mordem e nos fazem morder. Nessa época, morando no antigo Condado com Dona Mãe, devido ao serviço militar, saía às 4 da manhã, pegava um Reginas sentido Av. Brasil, saltava na Ilha do Governador. Repara que conto com orgulho. Mas omito o fato de me sentir um lixo naquele uniforme azul, era charmoso, atraía o olhar feminino e masculino, mas era um porre, nunca tive vocação para milico. Sei que o fiz e cumpri, o maldito serviço — até engajei e estendi por quatro anos. Muito para provar que não estava na sombra do meu irmão, que era pastor de profissão. E o que se faz para provar algo quase sempre não vale a pena, não é? Numa sexta cheguei às 21h e Dona Mãe estava de mau humor. Eu era um tipo de filho inexistente, o mais novo. Mas passei a existir quando houve um soldo, meu soldo deu-me a capacidade de ser naquela família. Chego aqui lembrando o porquê: dinheiro e controle. Ouvi de Dona Mãe que, se saísse de casa, em dois meses voltaria a comer na sua mão. Peguei minha TV de 14" e um Ps2. E fui. Dona Mãe ficou no Condado com seu séquito por 10 anos. Seu séquito a abandonou, meu pai foi expulso e começou a sofrer dos rins. Morreu nos braços da minha irmã. Eu pude me despedir. Ele soube de mim que não havia mágoa. Compreendi sua humanidade e sua capacidade de ser o que era, e ele foi, acertou mais do que errou, pois não sentiu prazer em errar. Hoje Dona Mãe e eu somos vizinhos. Não mensuramos nem o como,  nem o porquê. E tudo corre muito bem no Condado.

Oh, mother, I can feel the soil falling over my head and as I climb into an empty bed, oh, well, enough said.

The Smiths - I know it's over

domingo, 20 de julho de 2025

Hoje o Condado tem ônibus





Moro onde não mora ninguém, onde não passa ninguém, onde não vive ninguém, é lá onde moro que eu me sinto bem.


Refugio-me no mato, nada mais natural que um bicho do mato se esconder no mato. Mato? Tô lá. Lembro-me que há dez anos, quando vim para cá, era esse lugar um brejo. Um brejo maravilhoso. Sapos, vaga-lumes, gambás, grilos, esperanças, micos, uma fauna fervilhante, um perfume verde, úmido, assombroso, alumbrante. Corria um pequeno riacho, onde pululavam girinos, passávamos por uma ponte improvisada sobre esse riacho, a rua um barro completo. Na época eu odiava. Tudo era longe. Tudo era árduo. Tudo era o inferno! Então saí. Morei de aluguel por dez anos e voltei. Já não havia mais riacho, nem ponte. O verde estava opaco, faltava-lhe a fauna. E ali decidi construir uma choupana. Algo nosso. Com o tempo, dos poucos vizinhos, uns morreram. Mais afetos que desafetos. Asfaltaram a rua, teve uma certa infraestrutura aqui, acolá. Eu dizia: o Condado vai ser Condado quando nessa rua passar um ônibus! Como eu era jovem, como eu era estúpido! Mas hoje, que começam a me florir as cãs, que sei do meu lugar e do meu tempo — que saudade do perfume verdejante e da fauna avultosa! Que melancolias choram, de manhãzinha, os passarinhos, aboletados nos ninhos sob a chuva. O espírito do riacho passeia seu corpo-neblina madrugada adentro, bafeja sobre as jaqueiras e abacateiros que ficaram de luto. Hoje o grilo canta longe da minha porta, a coruja marrom não pousa na minha janela. Hoje eu tento sonhar uma lembrança desnítida. Hoje o Condado tem ônibus.

sábado, 19 de julho de 2025

Swans

 
Swans the Burning World

 
Curto escrever em série, pegar no braço de um conceito e sair esquadrilhando por aí. Qualquer conceito é melhor que nenhum, oras. Até encontrei algo parecido em certa escritora, no seu blog... "Parece uma revista" ela mesmo me diz. Ando a ler por lá. Tão humana. Sinto um pouco de inveja do canabidiol. Queria usar. Também ficar apaixonado. Mas o que tenho aqui é esse baseado que seguro. Não é de todo mal a manga rosa.
Ouço Swans. Os discos dos anos 80, especialmente os 3 primeiros são, digamos, não tradicionais e limpinhos. Ouço Swans, mas o The Burning World, Mona Lisa, Mother Earth. Leio Cruz e Sousa, mas os Últimos Sonetos, penso no real motivo de voltar para esse autor, sinto uma fisgada. Qual a ligação? Vai saber? Rock industrial está para o simbolismo como... me foge qualquer analogia, ou é preguiça? Sabemos que ambos são formas, são linguagens. Logo se vê que, se não há sequer uma hiperbolezinha, o pensamento cai nesse chocho sem cor. Ai, Azazel!
Você também ouve música quando sai? Se me aventuro pelas trilhas sem meus fones, é certo vir o surto, moderado ou não, me conheço, me conheço... também ouço música quando leio.
Vem aí outro livro de Rimbaud, agora em versos. Tive um papo legal com uma outra amiga, a Mirtes. Sobre essa complexidade que contorna a intenção da escrita, se há um motivo central para por algo em papel ou em pixel. Ela me indicou Rilke. Já li seus poemas, mas não suas Cartas a Um Jovem Poeta. Está no carrinho! Sua indicação é minha missão, Mirtes! Tão pouca vida para tantos livros.
Mais tarde revelarei o método revolucionário para achar blogs ou a falta de uma laje para bater.


sexta-feira, 18 de julho de 2025

Psychosisos

 


Arrancar os sisos aos 38 anos. Estão crescendo de maneira desordenada. As raízes perfuraram minha gengiva pelo lado interior e, toda vez que falo, navalham as laterais da minha língua. Sexo oral? Necas! Do tempo mais corriqueiro, também arranco umas sentenças que me crescem na cabeça de maneira desestruturada, as afino, para que assonem, sirvam ao exercício, ao estímulo. No entanto, quanto mais as trabalho mais me firo, e acho bom. Jamais direi que aprendi isso com o V, o português, do qual leio o blogue. É um tipo daqueles, daqueles! Gostaria de chamá-lo para um café, talvez. Parece-me que ele já não tem sisos há muito tempo. Mas café não posso tomar mais, por causa da verde e branca, que seja um chá, então! Que seja. Às vezes me pego a mimetizar o português de Portugal, não o escritor já dito, mas o dialeto, nem mesmo o dialeto, mas a linguagem. Claro que isso se trata da cabal evidência de uma predileção ao movimento ismista, fundado por Clara Heilige. É também pelo consumo excessivo da literatura de lá, mas não direi, não sou de me gabar das vezes que li os Lusíadas. Entendi? Bem, são outros quinhentos... Como ismista convicto, eu tenho o dever de dissecar os padrões linguísticos e admiti-los para subverte-los. Essa frase ficou ó, uma...
Quanto mais se escreve, mais se tem a dizer, menos se tem para contar. Ando pensando seriamente, seriamente em ter um blog secundário. Em pleno 2025, Machado!? Não basta um? Não! Cale-se,  obsessor! Nessoutro poria esses textos aqui que já estão e também os que hão de vir. Bem, já me estendi nesse assunto. Estou no aguardo da "panorâmica craniana", fui exortado a tirar o meu cordão de São Jorge e os novos fones Haylou. Viva a China! Viva o comunismo freestyle! Pro inferno esses sisos fudecos de Dante!...


quinta-feira, 17 de julho de 2025

Racional


 

A caminho da dentista, dois caras de branco me abordam. Um deles me entrega um panfleto enquanto o outro gesticula alguma dissertação sobre a religião que o Tim Maia seguiu por um tempo — a Cultura Racional. Não ouvi absolutamente nada, de fones, dia bom para ouvir minha playlist Djaetano. Aprendi que sorrir e balançar a cabeça, como a dizer que sim, pacífica qualquer pregador, em minutos eles se despedem e vão embora. Será que estou sendo rude? Veja bem, eu assinto com a cabeça e finjo atenção de maneira convincente, não sou um monstro... Foi o que ela disse, como diria o Michael Scott. Achei curioso. Não sabia que ainda existia a Cultura Racional, dado o momento histórico em que há tanto desvalor cultural. E Racional! Onde que hoje em dia alguém se interessa ao que diz respeito à Razão? Há situações em que é melhor nem tê-la. Nesse ínterim tocava aquela versão de Asa, do Djavas. Uma névoa púrpura! Voltando. Nesse ritmo, logo, me abordarão poetas e filósofos e músicos, artistas, etc. Todos com seu panfletinho. Os ouvirei. Direi que sim. Sorrirei. Fingirei atenção. Eles vão embora. Eu vou embora. C'est la vie

PS: Se futuramente o link da música Asa cair, trata-se da versão com o Marcus Miller fazendo amor com um baixo no palco. Apesar do Hiram Bullock.

quarta-feira, 16 de julho de 2025

A Nova Morte


Cruz e Sousa em Broquéis

 
Deixamos as solenidades dos ritos de passagem. É um sinal concreto o fato de que, para bem ou mal, vivemos mais do que nos tempos de Cruz e Sousa. Que bad vibe a da Morte. Se antes ela, com suas manias de nos matar, estava sempre presente, cheia dos badulaques e grinaldas de renda preta, vinha em corcel alado, trocava figurinhas com Emily Dickinson, tomava chá com Antero de Quental, era musa de muitos drogados como eu... hoje passa quase despercebida, uniformizada a caráter, uma tarjeta no peito escrita: Morte, número de inscrição: 001, olheiras, coque desfiado, hálito de nicotina, um mau humor de proletária sem sindicato, liga de madrugada para seu único amigo, Caronte, aos prantos, pois vendeu suas férias, pegou covid na pandemia e continuou trabalhando, a coitada!
Não há mais pompas, menos ainda quem use a palavra "pompa", e tudo bem, pompa é broxante mesmo. Porém, à custa de uma pompinha de merda, todo um arsenal de ombros de gigantes é jogado na sarjeta do olvido? Ah, não, cara, aí é pedir demais desse seu desumilde aluado. Afinal, é para isso que estamos aqui, para deixar para trás o supérfluo e inovar! Não há tempo para despedidas ou para ler sequer uma sentença, é preciso ser útil, digo, viver! Mas tanto faz, né? É preciso a tragédia para a beleza emergir, mesmo que seja do esgoto. Então tome este relato como argumento inútil, como a arte.

Do amanhecer e da palavra



Nunca é tarde para a palavra. Que quero dizer? É exatamente isso: a palavra. Os algoritmos nos entregam, com suspeita rapidez, o produto, a performance vazia, vazia de quê? Sentido! A imagem, nesse scroll infinito, satura-se. Entretanto, a palavra, essa resiste milênios, perde significado, ganha outros rumos, decaem-lhe as propriedades do carbono, adapta-se animalescamente, sedimentam-lhe estromatólitos vocativos, flexionam-se as consoantes, amputam-lhe as tremas, os hifens, enfim, o ponto é este... 
No entanto, palavras são somente palavras. Que quero dizer? Não somente isto: a palavra é. Ela é tão somente aquilo que nos traz sentido dentro do contexto, pois se não há contexto, não há nada, e nada absolutamente, o Nada fora do niilismo. E o que é o contexto da palavra, se não a consciência? — essa singularidade que deu vida a Deus!
No momento, parafraseando a Izabela Cosenza, boto fé na palavra orgânica. Na contemplação. Obviamente subvertendo o curso contemporâneo que nos leva, bovinamente, nesta manada desenfreada de estímulo e consumo, até nos descarrilar no desfiladeiro de um abismo indiferente ao nosso olhar. Encontro prazer neste universo oculto, nesse outrora que está aqui presente. E ainda há tanto para descobrir, tanto que uma vida só não basta.
Hoje amanhece vagarosamente no Condado. 

segunda-feira, 14 de julho de 2025

O pequeno leitor da Bíblia encontra Satã

Cruz e Sousa em Broquéis



Cresci numa família extremamente religiosa e fundamentalista — vulgo crentes. Mas aqui não tomarei as dores de Satã, que dele já se foi dito muito. Falarei sobre a desobediência como pecado.
Obedecer cegamente, sem refletir na ética da ordem, é tido como virtude em certos grupos. O que é mais que natural, já que somos frutos do meio, com exceção dos frutos podres que se recusam à mordida comum, que são decompostos naturalmente no solo e na melhor das hipóteses alimentam os psitacídeos.
Desde criança existia uma obrigação em ler a Bíblia todo maldito dia, não esperavam, talvez, que eu realmente a lesse. E ler a Bíblia de forma não anacrônica é com certeza pior do que negar a Palavra. Daí enumerei contradições, e batata! Fui pego pelo método científico, e em tempo de vestir meu manto enxofrado de agnóstico, ou pior, de um desviado! Conheci um fato revisado por pares e ele me libertou. Satã é uma figura, não é? Rebelde, rebelde. Deus o pôs para sofrer eternamente, e qual o pecado? Revolução! Antifascismo! Comunismo! Será daí a fábula que comunas comem crianças? Pensando bem, minha mãe fez bem com aqueles questionários bíblicos, ensinou-me a usar o dicionário, ela tinha tudo para me amar, onde foi que errei? Acho que a primeira poesia que li foi do necromante Salomão...