Pacato era irmão da Lua. Fã dos Smiths. Sabemos que a preguiça é uma qualidade felina. Mas ele levava a sério demais. Foram diversos os lugares onde exerceu sua existência. Era um gato um pouco relapso, alheio às coisas que aconteciam. Um arzinho blasé. Ignorava completamente quando eu o chamava, apenas mexia a cabeça ou abria os olhos, não saía do lugar ocioso da vez. Pleno.
Lembro que, no meio de um meltdown, em que eu me contorcia em ruminações, ele se aproximou. Deitou sobre meu peito e começou a ronronar. Ele entendia? Vai saber!...
Não concordo com as fezes que o Morrissey fala hoje. Basta conhecer um pouco a realidade de alguém, especialmente se for um artista brilhante, que nossas convicções se esfarelam facilmente, quase sempre exponencialmente ao nível de brilhantismo. Aqui tento justificar meu gosto pelos Smiths. As letras do Morrisey têm algo, especialmente um algo que conversa com adolescentes problemáticos — redundância crua, né? É um dos sons que procuro quando estou pra baixo... Você tem algum método para ouvir música? Costumo tentar escandir a personalidade das pessoas por seu gosto musical. Uma amiga me disse que eu deveria evitar músicas depressivas, principalmente em tempos de crise. Mas entenda — não é a canção que me deixa triste. Ela é apenas um eco de frequência. É confortável ser tocado por alguém que passou algo semelhante, que também tinha essa mania alquímica de extrair beleza da dor.
Perdi alguns gatos para o veneno, omito a quantidade... É estranho, sabe. Alguém te vê. Sabe a hora que você sai e chega. Planeja por dias ou meses, quem sabe? Decide matar o que você ama. E mata. Encontrei o Pacato morto num dia absurdamente estressante, nos tempos de auxiliar de veterinária, o que me ajudou a identificar o método, claramente envenenamento. Era um gato especial. Não sei se, na época dele filhote, eu ouvia muito os Smiths, e por isso aquele som o satisfazia. Ele podia estar em qualquer parte da casa. Bastava o Johnny Marr palhetar algo. Pacato vinha e se estirava perto do som. Deitava e ficava ali, ao meu entender, curtindo a vibe azevediana comigo.
The note I wrote as she read, she said
Has the Perrier gone straight to my head
Or is life sick and cruel, instead?
Yes!
Has the Perrier gone straight to my head
Or is life sick and cruel, instead?
Yes!
8 comentários:
Da música gosto muito e concordo com o que diz...
Já o meu gato de dezanove anos, mas ainda em boa forma, é uma companhia de cada momento...nesta altura, conhece-me muito bem e, na realidade, eu sou o seu animal de estimação.
Beijo
São seres graciosos e enigmáticos, Ana. É preciso calma para compreendê-los e tempo, como um poema. O seu, com 19, ainda em boa forma, é resultado do seu cuidado e isto diz muito.
Um texto tocante, Davi. O Pacato vira símbolo, não só de afeto, mas de resistência silenciosa. Lindo e doloroso como um fado discreto.
Muito afeto, Álvaro!
La gente es capaz de todo. También te sigo en este blog. Besos y abrazos.
Laura Assis
Hola, Laura. Muchos abrazos.
tb eu curtia ouvir repetidas vezes essas musicas, música , gatos e esse estado de criar ago seja a partir da dor ou da não dor, do ócio, da preguiça, do contato com minha gata, e das leituras e intersecção de escritores como tu.
Oi, Alessandra! Também gosta de repetir!
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