Moro onde não mora ninguém, onde não passa ninguém, onde não vive ninguém, é lá onde moro que eu me sinto bem.
Agepê - Moro onde não mora ninguém
Refugio-me no mato, nada mais natural que um bicho do mato se esconder no mato. Mato? Tô lá. Lembro-me que há dez anos, quando vim para cá, era esse lugar um brejo. Um brejo maravilhoso. Sapos, vaga-lumes, gambás, grilos, esperanças, micos, uma fauna fervilhante, um perfume verde, úmido, assombroso, alumbrante. Corria um pequeno riacho, onde pululavam girinos, passávamos por uma ponte improvisada sobre esse riacho, a rua um barro completo. Na época eu odiava. Tudo era longe. Tudo era árduo. Tudo era o inferno! Então saí. Morei de aluguel por dez anos e voltei. Já não havia mais riacho, nem ponte. O verde estava opaco, faltava-lhe a fauna. E ali decidi construir uma choupana. Algo nosso. Com o tempo, dos poucos vizinhos, uns morreram. Mais afetos que desafetos. Asfaltaram a rua, teve uma certa infraestrutura aqui, acolá. Eu dizia: o Condado vai ser Condado quando nessa rua passar um ônibus! Como eu era jovem, como eu era estúpido! Mas hoje, que começam a me florir as cãs, que sei do meu lugar e do meu tempo — que saudade do perfume verdejante e da fauna avultosa! Que melancolias choram, de manhãzinha, os passarinhos, aboletados nos ninhos sob a chuva. O espírito do riacho passeia seu corpo-neblina madrugada adentro, bafeja sobre as jaqueiras e abacateiros que ficaram de luto. Hoje o grilo canta longe da minha porta, a coruja marrom não pousa na minha janela. Hoje eu tento sonhar uma lembrança desnítida. Hoje o Condado tem ônibus.
4 comentários:
Que maravilha de texto!
Também adoro esta solidão imensa da planície (no meu caso).
Bj
Estar em contato com a natureza é um privilégio. Obrigado pelo elogio, Ana Tapadas!
Amei, Davi.
Que bom, Beatriz. Obrigado por seguir. :)
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