terça-feira, 26 de agosto de 2025

Sobre Rimbaud


 
 
Estou neste estado. Imitando silêncios. Você teve o que teve. Assim, na lata. Achava mesmo que este servo não pronunciaria as tais palavras? As disse muito bem ditas. Não me culpo nem nada do tipo.
Percebo que o silêncio é necessário; poderia perceber mais tarde, e o estrago seria mais devastador. Mas em tempo! Não quero ser torrente, não. Agora é só garoa, neblina leve e tênue. O prazer da viagem pela viagem. É aquilo — dê no que der.
É tempo de mudanças. De pôr o pé no freio. Selecionar. Ser gênese. Dizer algo qualquer e sair pela tangente. Mas não, não senhora. Eu fico. Eu sou de ficar. De permanecer, de tentar consertar. Eu não me importo em ser ferido. Eu quero entender. Esqueço de ser entendido. Contudo, só agora aprendo a desistir.
 
 

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Psycho

 
 

 
É quase 19h. Faz tempo que tô chutando latinha. Preciso ligar pra minha tia, avisar que vamos lá na sexta. Mas algo me impede. Tento abrir a boca pra dizer qualquer palavra, e nada. Um simples áudio me deixa bolado. Digo: "vamos aí na sexta!" ou digo:"podemos passar aí na sexta?
Tento algumas vezes, até me conformar com um. Envio. Vejo as redes. Por acaso mudo a foto do perfil. Rápido vem alguém e comenta na foto: "a cara do psicopata!". É impressionante como esses amigos antigos podem resumir a tua pessoa numa simples sentença. Na escola, por um tempo fui chamado de: "O Demônio", assim mesmo com o artigo definido em caixa alta.
E fico com esses nós. O que me põe nesse lugar de esquisitice é justamente o que me envaidece de orgulho. O que será que me entrega? Talvez o olhar. Não parece natural. Talvez as coisas que acho belas. Nos tempos de soldado eu tava passando por uma fase gótica, muito Siouxsie and the Banshees, Sisters of Mercy, Cure, muita noite pondo o cachorro quente todo pra fora no Garage. Deve ser isso. O meu eu psicopata ficou nesse recorte e pra esses amigos ainda sou o mesmo de 2006. Lá eu queria ser o Lou Reed, mas tava virando o Júpiter Maçã no Matador de Passarinho.

I feel fine and I feel good
I'm feeling like I never should
Whenever I get this way, I just don't know what to say
Why can't we be ourselves, like we were yesterday?

terça-feira, 19 de agosto de 2025

"Could you be loved and be loved?"




Que onda! Enfim um oásis: equilíbrio. Escapa um sorriso enquanto vasculho a gaveta das palavras. Existe um método para o uso das redes sociais? Bem, o que é natural e instintivo para uns pode não ser para outros, o que é cristalino também é passível de interpretação. Mesmo esse comentário me soa muito óbvio.
Qual é a cisma com a Obviedade? Os dias nascem e morrem. As estações se demoram. Os meses se acumulam. E nós caminhamos para algum lugar marcado no concerto a céu aberto do fim. Respira, meu bem, a vida tá aí no quente da tua boca! És capaz de me deixar te amar em sua inteireza?
Uma terça dessas. Sem surpresas. Entro em contato com alguma simplicidade. Ontem tripliquei a dose e tudo hoje flui. Antes das 22h meus olhos já estavam cheios de areia. Fico intragável quando entro em shutdown. Uma vontade da caralha de ir de Ian Curtis. Uma semana incapaz de dizer a quem eu amo sobre como sinto sua falta. Apesar da obviedade do meu apego por quem me cativa. É preciso dizê-lo. Hoje consegui girar essa chave. Sinto-me pluma. Consegui ler depois das 17h e Lua me fez companhia. Mas quase pude sentir a sua presença bem aqui comigo.
 
Could you be loved and be loved?

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

"Then it's the bomb"

 

Antes desassociado, agora obsidiado. Despertei eficiente em me ferir, pois não me recordo de outra linguagem útil. Dedilho por longas horas os gumes dos fios. Que dor somatizo! Decoro a canção. Corro na estrada. Canto a canção e corro. Que prazer o vento talha no meu rosto! Que charme rústico pronto para ser consumido! Corro e não chego ao destino, logo serei atingido...
Em casa retiro os óculos e ponho na mesa. Esfrego os olhos e desligo a luz. Ao pé da cama os chinelos brancos. O sépia se espalha. O monitor tremeluz. Ao trabalho, ao trabalho! Mas ignoro a voz da sensatez e cavo fundo. Encontro lama e piche e fossilizo. Meus versos estromatólitos. Eu meteorito. Pedra quente em estado de queda contínua.
Tudo gira nesse lado do Rio. Achei que uma semana seria o bastante para manter aquele desejo. Tenho que me esgueirar. Tenho que traficar meus verbos em parábolas. Não me ilumino, mas estou branco, mais alvo do que a neve. A cor triunfal do morte me amortalha os sentidos e me sobe um gosto completo de vazio. Quem sabe, nesse agora ignorado, eu já tenha encontrado contigo?
 
Spending warm summer days indoors
Writing frightening verse
To a buck-toothed girl in Luxembourg

Janice Whaley - Ask

domingo, 17 de agosto de 2025

"No hope, no harm"

 

 
 
Algo acontece longe. Há tempos eu não tinha essa impressão das coisas. Hoje acordei fora do meu corpo. As águas baixaram lentamente e nenhum corpo vivo foi encontrado. Eu tô num loop. Penso: como aplicaremos o método? Simples. Façamos o mesmo toda vez. Convictos de que teremos resultados diferentes. E, tendo o que se quis, aprendamos a conviver com a maldição de realizar esse desejo. Nada mal, né?
Hoje me vi de fora. Sentei ao lado da cadeira do tempo e observei em silêncio. Me inclinei e deitei no vazio. Terminei o Cruz e Sousa. E rapidamente encontro outro livro. E de pé declamo. Mas as hordas infernais nos tripudiam com bafos de gás mostarda e enxofre.
Procuro em meus papéis algo quente, menos down e mais shiny. Acabo com um punhado de manuscritos. As primeiras páginas de um romance. Um romance que precisava ter um nome igual ao teu.

No hope, no harm
Just another false alarm

 

sábado, 16 de agosto de 2025

Different Stars


Pelo caminho as roseiras me ouviram, iam subindo pelos muros e cercados, e eu lhes contava sobre Tudo. Os cães farejavam alguma dor a uma distância considerável. Dois gatos velhos se encaram, disputam território. Em poucos segundos — tudo cinza. Bem ali na nossa face, cor de chumbo. Um trovão estala. Chuva. E desaba quem? O Nada.
Passei pela porta da igreja. Estava fechada. Os anjos estão aqui fora. Andam em círculos. Bêbados. Dançam algo, que engraçados. Peço-lhes uns tragos. E trago. Sento sob a sombra da amoreira e sou abordado pelas lagartas policiais. Checam meus antecedentes existenciais. Encontram no meu arquivo um livro autobiográfico mal escrito com o título: "O Nada."
Estou numa delegacia da existência, vim me entregar. Mostrei a eles meu sorriso cínico. Rapidamente conduziram minha prisão. Daqui a poucos minutos sou julgado. Mas todos sabem, não há chance. A condenação é garantida. Levo as mãos aos olhos e desabo uma nascente. Mas já era previsto. Chove. Agora eu era  enchente procurando pelos vivos.
 
Oh the weight it must be light wherever you are
And i know you don't think twice wherever you are 
 
Trespassers William - Different Stars

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Já?


 
Pela manhã, depois do café, escolhi um poema para postar no Essentiae. Um soneto de comemoração. Postei nas redes e respondi uns recados. Desde fevereiro, data do início do tratamento, tenho sentido que, lentamente, alguma metamorfose acontece. De inseto a homem. Acho que não pega bem falar sobre assédio feminino num mundo misógino como este. Aprendi minha lição. Pretendo reescrever o texto. (Se você leu antes de ser deletado, me perdoe: sou uma marionete do exagero.)
Primeiramente, pensei em criar um heterônimo. Escrever com liberdade e veracidade factual, sem me preocupar com os envolvidos. Mas não. Qual a graça de relatar a obviedade dos fatos sem pincelar nenhum traço de cor ou de brilho? Fico com meu nome. Criemos outros signos: será mais belo assim, será um exercício de ética. Entendo o que me disse um amigo sobre achar meu caminho, como Paulo de Tarso, entendo tarde. Já garotiei demais.
Sempre um estrangeiro. Onde quer que se vá, o outro nos incomoda — em sua constância ou não constância. Queremos mesmo é nos satisfazer, preencher as lacunas, quando a solidão está por toda parte. Ser objeto e tornar objeto, ter controle. Então me resta afundar a cara na literatura, na clássica majoritariamente. Ando, como antes, cansado de mim. Penso em aumentar a dose da medicação por conta própria… Se eu por vezes não me suporto, devo entender a resistência alheia a mim, pôr meu violão nas costas e me calar. Se eu não me suporto, como não entender que minha ausência é benéfica? Vê que estou pirando novamente? A próxima consulta é na sexta que vem.
 
Tashaki Miyaki - Take My Breath Away

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Lua em Aquário


Fui pesquisar por anda minha Lua. Descubro que ela não anda, que nada ou flutua em Aquário. Que significa? Não entendi bem, acompanhe:  a interpretação me diz que minhas relações afetivas são contextuais, ora tendo ao acolhimento, ora questiono o passo adiante na entrega. Que significa?... Que pouco importam os signos, oras! Que tipo de agnóstico é esse teu servo, que crê em signos? Não os creio, mas que existem, existem!
Tudo que põe o comportamento humano numa caixa, aliás, tudo que põe qualquer coisa numa caixa me é atrativo, sedutor. Seria tão mais fácil a classificação das personalidades, costumes e pormenores se houvesse um campo onde se preencha, à caneta, esses tópicos, e que se atualizem os arquivos, caso haja mudanças. Utópico? Julgue-me. Nada mais natural, tentar enfiar o caos nesse quadrado lógico. Natural para minha mutação, para qual nada existe além do tempo...
Anoitece. Aguardo a Lua. É quarto minguante. Diz-se que interfere no crescimento do cabelo, na gestação, nas marés. Por que, também, não seria agente na nossa personalidade? Volto ao início. É um ciclo. Que prova empírica há sobre isso? Qual a necessidade de prova empírica? Acaso a verdade sobre a Lua é útil? Nem a poesia é útil. Deveria ser? Que verdade é útil na pós-modernidade? Enfim, vou pesquisar em qual fase lunar devo aparar as pontas do cabelo. Ainda não escureceu por completo. O céu parece tingido.

I saw it written and I saw it say
Pink moon is on its way
And none of you stand so tall
Pink moon gonna get you all
It's a pink moon
It's a pink, pink, pink, pink, pink moon 
 
Lotte Kestner - Pink Moon

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Dia sem Sol no Rio

Praça da Bandeira, RJ


Penso no que faz o Sol quando não nos ilumina. Essa estrela que nos ampara e alimenta. Não cogito respostas da astronomia, menos ainda da astrologia. Falando nisso, fiquei de procurar minha certidão para ver onde me cai a Lua, não a gata, mas o satélite. Uma nova amizade me convenceu que saber disso é importante. Mas penso na metafísica do Sol. Suas demandas, suas marcas, sua atmosfera. O inverno tem sido bem presente no Rio, mais ainda nas primeiras horas do dia.
Que planta eu seria? Um epiphyllum, certamente. Cactos florescem. Já sonhei ser um cacto. Cactos tem espinhos e ferem a quem lhes atreve tocar. Talvez eu já seja um cacto. Senão todos, todos nós somos cactos. Florescemos, mas podemos ferir a quem nos atreve tocar. Entretanto, estendo a mão, mais ainda, proponho o beijo. O que pode saber do Sol um simples cacto carioca na vertigem dos seus anos vulgares? Nada, apenas faço fotossíntese. Quase não perfumo.
Onde é a casa de veraneio das estrelas? Elas tem uma galáxia na beira da praia, é vero. Vão molhar os pés no mar, num paraíso tipo o litoral de Parnaíba ou na Barra do Cunhaú. Às vezes bate uma bad. Procuro a janela mais próxima, olho o céu, respiro. Torno a digitar, torno a trabalhar, torno a ler. Talvez seja só isso. Esse exemplo. O Sol entra numa, vai até a janela e nos olha, suspira, depois volta aos seus afazeres solares e talvez pense: que faz da vida esse poeta? Vive de quê? Tráfico de drogas?...

Tampouco turva-se a lágrima nordestina
apenas a matéria vida era tão fina 
e éramos olharmo-nos, intacta retina 
a cajuína cristalina em Teresina

Caetano Veloso - Cajuína 

terça-feira, 12 de agosto de 2025

"Ache belo tudo o que puder."

 

 
Decidimos reassistir Seinfeld. Deve ser a oitava vez. São as mídias de conforto. Não sei se esse conceito cabe a todo mundo. Será que todos têm suas mídias de conforto? Um filme que você reassiste, sabe as falas de cor. Um disco que marcou um episódio da vida, alguém... Um livro desbotado que gera sempre uma nova expectativa.
Eu tenho um ritmo de conforto: o blues. Mais óbvio, impossível. O blues tem algo de mantra, de conjuração. Um meio tom na pentatônica. A cor azul, associada à tristeza, o pano de fundo panorâmico. O bom blues, como o bom samba, tem que saber chorar.
Ou não. Desconsidere. Que ideia desse servo caipira, caipira... Passei dois dias fumando haxixe e comendo bolo. Não necessariamente nessa ordem. Foi o que fiz. Não fiz nenhum diabo de blues. Toquei umas três canções dos anos 80. 
 
I need a love
Not games
Not games