terça-feira, 2 de setembro de 2025

Bossa de setembro



Acontece da gente se apaixonar. A gente se pega pensando demais na imagem, essa imagem que moldamos a nosso gosto. Seja um livro, um jogo, um disco, uma pessoa, um autor. Nos apaixonamos. Imagino que há explicação neuroquímica para esse estado mental, mas tendo a conjecturar que se trata de um estado de possessão, dada a educação neopentecostal que sofri. Conjecturas: a paixão dos ansiosos não tratados.
Apaixonei-me por uma poetisa uma vez — Florbela Espanca. Dado o seu estado avançado de putrefação, aceito que aquela paixão caía no terreno platônico. Obsessão consumada numa constante engenharia reversa, essa que coloquei para rodar em seus versos, estudando-os com recorrência. Florbela casou-se algumas vezes. Algo que me causou certo ciúme, lá no eu de 20 anos atrás...
Hoje eu amo Florbela. Não há mais sofrimento por ser tão real essa nossa realidade. Não sonho mais ser seu 4° marido. Acontece que tomei ela pelos versos. Sabemos quais dificuldades ela tinha, moderna e feminista que era, naqueles tempos da Primeira Guerra. A amo. Aceito a impossibilidade de tê-la, de pertencer, e fiquei bem; demorei tanto tempo para entender que ter é menor que estar.

8 comentários:

lis disse...

Acontece , Davi
Poetas, poetizas mexem com nosso coração,
_ se vão ou deixam-nos ir ... ficamos com o que temos ... e basta.
amo seus devaneios., bate sempre com os meus ... Loucuras !

Davi Machado disse...

Obrigado por suas palavras. :)

Sonya Azevedo disse...

Bom dia, Davi, que maravilha de crônica. Já fui a Florbela de alguém e foi interessante, mas passou. Não havia futuro, somente ilusão. Bom que chegou com o vento de um poema e foi-se com a brisa de um silêncio. Muita luz e paz. Um ótimo final de semana.

Davi Machado disse...

Igualmente, Sonya. Abraço.

Arthur Claro disse...

Uma boa reflexão.

Arthur Claro
http://www.arthur-claro.blogspot.com

Davi Machado disse...

Obrigado, Arthur :)

Eros de Passagem disse...

J.U. Ubaldo disse "setembro não faz sentido", mas com bossa a coisa é diferente. E se Florbela aparece vira sinfonia. É o que me ocorre ao ouvir a afinação da sua linguagem neste texto.
Um abraço,

Davi Machado disse...

Um abraço José?