quinta-feira, 31 de julho de 2025

Repeat




É tão bom quando descobrimos uma música que vibra na nossa frequência. Costumo esgotar totalmente o repeat com elas. Meu recorde, segundo o Last.fm, é com a If You Don't Know Me by Now, a versão do Simply Red — 125 vezes. Provavelmente, um laço atrelado ao casamento da minha irmã. Lembro que a filmagem teve Simply Red como fundo.
Eis a complexidade do over. Essa, que também se estende às outras áreas. Culinária — já passei meses almoçando banana-da-terra assada na manteiga, com ovo e pimenta. Livros — teve um semestre que reli Da Costa e Silva tantas vezes o quanto nem me atrevo a numerar. Trabalho — houve um tempo que só conseguia exercer bem minha função, se antes, carburasse um beck. Percebe, né? Trata-se, talvez, de um distúrbio compulsivo. 
Assim, também, funciono com as pessoas. Apaixono-me, de fato. E ponho-as no repeat. Quero sorvê-las a inteireza, quero tocá-las nos seus defeitos, nos seus carinhos. Mas há ruído. Aqui, entre sentenças e ajustes sintáticos, me desenrolo sob controle, atrelado à escrita. Um ticos truncado, rude, porém cristalino. Pois gosto de me acreditar assim. Mas aquele meu eu-deslírico me sabota constantemente. Diz não diz. Surta-se. Impede-me a rigidez. É o meu espantalho na colheita das horas.

Just get yourself together
Or we might as well say goodbye
What good is a love affair
When we can't see eye to eye?


terça-feira, 29 de julho de 2025

Pacato

 


Pacato era irmão da Lua. Fã dos Smiths. Sabemos que a preguiça é uma qualidade felina. Mas ele levava a sério demais. Foram diversos os lugares onde exerceu sua existência. Era um gato um pouco relapso, alheio às coisas que aconteciam. Um arzinho blasé. Ignorava completamente quando eu o chamava, apenas mexia a cabeça ou abria os olhos, não saía do lugar ocioso da vez. Pleno.
Lembro que, no meio de um meltdown, em que eu me contorcia em ruminações, ele se aproximou. Deitou sobre meu peito e começou a ronronar. Ele entendia? Vai saber!...
Não concordo com as fezes que o Morrissey fala hoje. Basta conhecer um pouco a realidade de alguém, especialmente se for um artista brilhante, que nossas convicções se esfarelam facilmente, quase sempre exponencialmente ao nível de brilhantismo. Aqui tento justificar meu gosto pelos Smiths. As letras do Morrisey têm algo, especialmente um algo que conversa com adolescentes problemáticos — redundância crua, né? É um dos sons que procuro quando estou pra baixo... Você tem algum método para ouvir música? Costumo tentar escandir a personalidade das pessoas por seu gosto musical. Uma amiga me disse que eu deveria evitar músicas depressivas, principalmente em tempos de crise. Mas entenda — não é a canção que me deixa triste. Ela é apenas um eco de frequência. É confortável ser tocado por alguém que passou algo semelhante, que também tinha essa mania alquímica de extrair beleza da dor.
Perdi alguns gatos para o veneno, omito a quantidade...  É estranho, sabe. Alguém te vê. Sabe a hora que você sai e chega. Planeja por dias ou meses, quem sabe? Decide matar o que você ama. E mata. Encontrei o Pacato morto num dia absurdamente estressante, nos tempos de auxiliar de veterinária, o que me ajudou a identificar o método, claramente envenenamento. Era um gato especial. Não sei se, na época dele filhote, eu ouvia muito os Smiths, e por isso aquele som o satisfazia. Ele podia estar em qualquer parte da casa. Bastava o Johnny Marr palhetar algo. Pacato vinha e se estirava perto do som. Deitava e ficava ali, ao meu entender, curtindo a vibe azevediana comigo.
 
The note I wrote as she read, she said
Has the Perrier gone straight to my head
Or is life sick and cruel, instead?
Yes! 
 

sábado, 26 de julho de 2025

Indiretas

 
 
 
Será que hoje é um bom dia para escrever meu primeiro salmo? Talvez eu começasse com um bendito seja, então assinalasse coisas boas, coisas boas reunidas, apuradas pelo senso comum. Um bendito seja seguido de uma enumeração de singelezas, que enchessem os olhos de lágrimas de quem me leia. Que inspirasse a boa nova. Quem sabe daqui uns anos, no acesso casual de um agregador de links, um jovem entusiasta da neopsiquiatria, me encontre os salmos hospedados em servidores arcaicos, geridos por IAs governamentais. IAs responsáveis por todo acervo artístico humano. Quem sabe este pálido ponto azul não seja o mundo que me habita, nele os salmos que fiz, e também os que deixei de fazer. Sem glória alguma. Apenas um álbum, um arquivo qualquer datado de ano tal, mês tal e dia. Haverá, no futuro, o curador de literatura digital. Este ficará responsável pelo acervo, pelo catálogo, pelas cadeias de indentação. Separará a neoliteratura por tags de assuntos e estilos variados. Será assim. Logo logo o papel se tornará obsoleto. Se consumirá apenas o dado poético. E cada consumidor, no instante do boot sináptico, alimentará seu algoritmo com as tendências neoliterárias que lhe convir.
Não me agrada bendizer porra nenhuma hoje. Tenho não dito muitas coisas ultimamente. E é trabalhoso não dizer.  Requer certo desempenho muscular para por a boca como se fosse dizer a letra M, mas deixar as cordas vocais inertes. Ameaçar a palavra...
Devia ser grato por ter saúde, um lar confortável... Devia ser grato por ter acordado hoje. O sol veio como sempre e já está indo. Nenhum lirismo. Só o sol. Gratidão pela música que me acompanha. Eu me orgulho tanto do que ouço, do que leio. Entretanto, é difícil ter orgulho de ser. Eu deveria ter orgulho de ser? É possível isso? Foi algo que conquistei? Ser?...
Talvez hoje seja um ótimo dia para escrever meu primeiro salmo. Vamos lá. Bendito seja... Bendito seja... talvez esteja sem combustível... Bendito seja... Bendito seja... será o fusível? Motor de partida? O gás? Bem dito seja Bem dito seja Bem dito seja Bem dito seja...

When you see me again
I hope that you have been
The kind of person you really are now

quinta-feira, 24 de julho de 2025

Rita Lee




Eu fui criado entre muitas mulheres. Um ambiente de salão de beleza. Dona Mãe sempre sonhou voltar aos seus tempos áureos — a sua mítica Escola de Cabeleireiros. Enquanto isso, ia abrindo salões no subúrbio do Rio. Muitos, pra não dizer a maioria, faliram. Dona Mãe era trabalhadora sim, mas seu gênio com tendências tirânicas atraía somente as amigas masoquistas. Diferente das clientes que eram compostas do mais variado estilo, inteligência e personalidade. Ouvi suas histórias. Eu era muito atento. É impressionante você ver e ouvir uma mulher em seu ambiente confortável, entre outras, a comentar sobre qualquer assunto, tendo como principal o casamento, os filhos. As notas que eu tomava eram especialmente dúbias e nebulosas, muitas delas só fui entender anos depois, muitas delas eu não entendo hoje, muitas delas acho que nunca vou entender! Mas nada me impede tentar. E como eu tento. E é maravilhoso tentar entendê-las. Por isso não creio em homens poetas. Como assim? Que isso tem a ver? Você pode perguntar. É direito seu perguntar. É simples responder — um homem enxerga a beleza de forma muito objetiva. Mas a mulher, graças a Deus, é muito diferente! Oh, eu ouvi um aleluia?! 
Aí temos a Rita Lee. Na época da Rita Lee dizia-se que para fazer o rock, um bom rock, tinha que ter culhões! E ela, saída dos Mutantes, vulgo clube do bolinha de ácido, provou que não é só possível fazer o rock, um bom rock sendo mulher, como é também possível ser melhor num nível que até me constrange descrever. Tanto que os Mutantes sem a Rita Lee ficaram tipo os X-Men sem a Tempestade — Uma bosta! E quem me conhece sabe que é nas descrições que tento esconder minhas tristezas. Adoro a Rita, ela merecia que eu escrevesse sobre ela em uma noite diferente desta. Essa noite, servida de muita estupidez e pouca paciência, um composto perigoso nas mãos de um homem primitivo como eu, logo me dá vontade de bater no peito e balançar meus galhos. Para mim não é possível fazer um bom rock, porque tenho esses benditos culhões.

No ar que eu respiro 
eu sinto prazer 
de ser quem eu sou 
de estar onde estou
agora só falta você

Rita Lee & Tutti Frutti - Agora só falta você

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Do café e da paixão




Esse é o Café. Como podem ver, pertence à ordem dos black cats. Café — um nome bem comum e ordinário para um gato preto. Mas eu amo café! Amo! E tanto, que não maculo seu sabor com o quinto cavaleiro do Apocalipse: o açúcar. Beber café sem açúcar é um caminho sem volta. Você começa a sentir as nuances de sabor, aquela tessitura interpretativa-gustativa que você tinha é modificada, agora em tudo você sentirá a língua visguenta do açúcar, nos sucos e vitaminas, nos doces, daí é um passo a sentir o açúcar nas vozes que te cercam também. E é libertador poder expurgar esse dulçor abjeto do teu convívio e beber as coisas como são, sem essa capa, esse jogo. Mas falemos do Café - o gato. Soubemos que a gata da padaria tinha emprenhado, então fomos comprar pão. Lá nos convidaram a entrar e ver, assim, sem nenhum plano de nos convencer o coração, nada que tenha sido combinado antes! Logo, de um forno velho e enferrujado, podia-se ouvir o miado dos filhotes. Prontamente escolhemos o mais dócil. E era um encanto. Mas cresceu e começou a praticar furtos. Daí veio a primeira caça ao cio e pronto — sumiu. Quando eu já tinha me conformado e dado ele como morto, oito meses depois — eis o filho pródigo de volta ao lar! E quando menos esperávamos também — morreu. Será que voltou para morrer? Já tinha feito a conta: das 7 vidas que tinha, 6 foram descartadas. Aqui entra a questão: mesmo sabendo do perigo, dos impropérios urbanos e felinos, foi e fez. E saiu. Correu telhados à luz da lua. E se apaixonou. Como é da natureza da paixão, seguiu-se a tragédia. É batata! Por isso, ao me apaixonar, isso é, quando identifico que estou obcecado por algo ou por alguém, aproveito e tento transformar a bendita obsessão em outra coisa, talvez  verso, em música, em fumo. Eu ponho o diabo pra fora com requintes, mas sem pompas, que estão em desuso. Jamais, milady paixão,  este servo irá guardar-te só para si. Vai que morro?

Oh, you know I try so hard to do her right
But it seems like everything I do is wrong

Muddy Waters - Crosseyed Cat

terça-feira, 22 de julho de 2025

Suporte

 

A poesia nunca esteve tão viva. Vem dando sua mão a qualquer um que se propõe a traduzi-la. E o que há que, ela, a Poesia, não toma de assalto o mundo? Não explode um atentado de versos na embaixada das Redes Neurais? Não. Já vi seus passos largos — rastros oníricos, perfumes de laranjais florescentes, ululantes perfumes, narcisos espelhados na íris, semiabertos de prazer, de químicas setentistas — surtos cítricos de ouro e bronze, que palhas crepitam nos teus lumes saltitantes, que cópulas astrais!... Ufa! Tá um tédio. Vim acompanhar minha irmã nas compras, ser seu suporte. Veja bem, como deve ser a mente de uma pessoa que me tem como suporte? É bater louco para palma dançar. Atentado poético? Não faz teu gênero, Poesia. E se faz, fará por outro meio, um que desconheço completamente. Apenas suponho a tua liberdade. Aqui do meu bunker de musgo e música. Afinal, o silêncio absoluto não é lugar. Não aqui neste plano. Onde estão os aliados de Eros, os sinos do luto e do natal, as aves de cristal vivazes, crocitantes, as gralhas, as galhas aninhadas nos outeiros, onde estão as harpistas, as corneteiras de ébano e marfim? Tomando expresso? Atravessando com pressa as faixas de pedestres? Clicando mouses e teclados grudentos. Abastecendo seus veículos. Indo à academia suar, pagar para correr! Estão lá os poetas de hoje escolhendo abacates no hortifrúti, montando cronogramas, tomando detox, comendo coxinha de charque! Eia! Que a bravura irrompa ventos nesses edredons de conformismo! Eia! Convoco a Serpente para morder o pulso do Arcanjo e sua bunda, sua bunda! Transmute-se o cansaço em estro, nada de protelar, que reine o ócio e a preguiça e o desejo e o TDAH. Que te assombre o profundo tédio em não dizer, em represar, em ser! Este servo lhe agradece a preferência. Jesusmeupai, já viram como o azeite tá caro? Um rim!

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Como e porquê




Tive uma vida urbana até uns 10 anos atrás. Era um cachorro do trem. Corria o subúrbio do Rio — um vira-latas grunge, jeans rasgado, descabelado, mochila cheia de versos,  dois maços de Hollywood azul por dia, sempre pronto a me embriagar, me entorpecer, a lamber, a me esfregar. Mas antes, para melhor entender esse episódio, preciso contar o como e o porquê. Como saí de casa? Houve uma discussão que não me recordo o motivo, dessas que engatilham rancores submersos, que nos mordem e nos fazem morder. Nessa época, morando no antigo Condado com Dona Mãe, devido ao serviço militar, saía às 4 da manhã, pegava um Reginas sentido Av. Brasil, saltava na Ilha do Governador. Repara que conto com orgulho. Mas omito o fato de me sentir um lixo naquele uniforme azul, era charmoso, atraía o olhar feminino e masculino, mas era um porre, nunca tive vocação para milico. Sei que o fiz e cumpri, o maldito serviço — até engajei e estendi por quatro anos. Muito para provar que não estava na sombra do meu irmão, que era pastor de profissão. E o que se faz para provar algo quase sempre não vale a pena, não é? Numa sexta cheguei às 21h e Dona Mãe estava de mau humor. Eu era um tipo de filho inexistente, o mais novo. Mas passei a existir quando houve um soldo, meu soldo deu-me a capacidade de ser naquela família. Chego aqui lembrando o porquê: dinheiro e controle. Ouvi de Dona Mãe que, se saísse de casa, em dois meses voltaria a comer na sua mão. Peguei minha TV de 14" e um Ps2. E fui. Dona Mãe ficou no Condado com seu séquito por 10 anos. Seu séquito a abandonou, meu pai foi expulso e começou a sofrer dos rins. Morreu nos braços da minha irmã. Eu pude me despedir. Ele soube de mim que não havia mágoa. Compreendi sua humanidade e sua capacidade de ser o que era, e ele foi, acertou mais do que errou, pois não sentiu prazer em errar. Hoje Dona Mãe e eu somos vizinhos. Não mensuramos nem o como,  nem o porquê. E tudo corre muito bem no Condado.

Oh, mother, I can feel the soil falling over my head and as I climb into an empty bed, oh, well, enough said.

The Smiths - I know it's over

domingo, 20 de julho de 2025

Hoje o Condado tem ônibus





Moro onde não mora ninguém, onde não passa ninguém, onde não vive ninguém, é lá onde moro que eu me sinto bem.


Refugio-me no mato, nada mais natural que um bicho do mato se esconder no mato. Mato? Tô lá. Lembro-me que há dez anos, quando vim para cá, era esse lugar um brejo. Um brejo maravilhoso. Sapos, vaga-lumes, gambás, grilos, esperanças, micos, uma fauna fervilhante, um perfume verde, úmido, assombroso, alumbrante. Corria um pequeno riacho, onde pululavam girinos, passávamos por uma ponte improvisada sobre esse riacho, a rua um barro completo. Na época eu odiava. Tudo era longe. Tudo era árduo. Tudo era o inferno! Então saí. Morei de aluguel por dez anos e voltei. Já não havia mais riacho, nem ponte. O verde estava opaco, faltava-lhe a fauna. E ali decidi construir uma choupana. Algo nosso. Com o tempo, dos poucos vizinhos, uns morreram. Mais afetos que desafetos. Asfaltaram a rua, teve uma certa infraestrutura aqui, acolá. Eu dizia: o Condado vai ser Condado quando nessa rua passar um ônibus! Como eu era jovem, como eu era estúpido! Mas hoje, que começam a me florir as cãs, que sei do meu lugar e do meu tempo — que saudade do perfume verdejante e da fauna avultosa! Que melancolias choram, de manhãzinha, os passarinhos, aboletados nos ninhos sob a chuva. O espírito do riacho passeia seu corpo-neblina madrugada adentro, bafeja sobre as jaqueiras e abacateiros que ficaram de luto. Hoje o grilo canta longe da minha porta, a coruja marrom não pousa na minha janela. Hoje eu tento sonhar uma lembrança desnítida. Hoje o Condado tem ônibus.

sábado, 19 de julho de 2025

Swans

 
Swans the Burning World

 
Curto escrever em série, pegar no braço de um conceito e sair esquadrilhando por aí. Qualquer conceito é melhor que nenhum, oras. Até encontrei algo parecido em certa escritora, no seu blog... "Parece uma revista" ela mesmo me diz. Ando a ler por lá. Tão humana. Sinto um pouco de inveja do canabidiol. Queria usar. Também ficar apaixonado. Mas o que tenho aqui é esse baseado que seguro. Não é de todo mal a manga rosa.
Ouço Swans. Os discos dos anos 80, especialmente os 3 primeiros são, digamos, não tradicionais e limpinhos. Ouço Swans, mas o The Burning World, Mona Lisa, Mother Earth. Leio Cruz e Sousa, mas os Últimos Sonetos, penso no real motivo de voltar para esse autor, sinto uma fisgada. Qual a ligação? Vai saber? Rock industrial está para o simbolismo como... me foge qualquer analogia, ou é preguiça? Sabemos que ambos são formas, são linguagens. Logo se vê que, se não há sequer uma hiperbolezinha, o pensamento cai nesse chocho sem cor. Ai, Azazel!
Você também ouve música quando sai? Se me aventuro pelas trilhas sem meus fones, é certo vir o surto, moderado ou não, me conheço, me conheço... também ouço música quando leio.
Vem aí outro livro de Rimbaud, agora em versos. Tive um papo legal com uma outra amiga, a Mirtes. Sobre essa complexidade que contorna a intenção da escrita, se há um motivo central para por algo em papel ou em pixel. Ela me indicou Rilke. Já li seus poemas, mas não suas Cartas a Um Jovem Poeta. Está no carrinho! Sua indicação é minha missão, Mirtes! Tão pouca vida para tantos livros.
Mais tarde revelarei o método revolucionário para achar blogs ou a falta de uma laje para bater.


sexta-feira, 18 de julho de 2025

Psychosisos

 


Arrancar os sisos aos 38 anos. Estão crescendo de maneira desordenada. As raízes perfuraram minha gengiva pelo lado interior e, toda vez que falo, navalham as laterais da minha língua. Sexo oral? Necas! Do tempo mais corriqueiro, também arranco umas sentenças que me crescem na cabeça de maneira desestruturada, as afino, para que assonem, sirvam ao exercício, ao estímulo. No entanto, quanto mais as trabalho mais me firo, e acho bom. Jamais direi que aprendi isso com o V, o português, do qual leio o blogue. É um tipo daqueles, daqueles! Gostaria de chamá-lo para um café, talvez. Parece-me que ele já não tem sisos há muito tempo. Mas café não posso tomar mais, por causa da verde e branca, que seja um chá, então! Que seja. Às vezes me pego a mimetizar o português de Portugal, não o escritor já dito, mas o dialeto, nem mesmo o dialeto, mas a linguagem. Claro que isso se trata da cabal evidência de uma predileção ao movimento ismista, fundado por Clara Heilige. É também pelo consumo excessivo da literatura de lá, mas não direi, não sou de me gabar das vezes que li os Lusíadas. Entendi? Bem, são outros quinhentos... Como ismista convicto, eu tenho o dever de dissecar os padrões linguísticos e admiti-los para subverte-los. Essa frase ficou ó, uma...
Quanto mais se escreve, mais se tem a dizer, menos se tem para contar. Ando pensando seriamente, seriamente em ter um blog secundário. Em pleno 2025, Machado!? Não basta um? Não! Cale-se,  obsessor! Nessoutro poria esses textos aqui que já estão e também os que hão de vir. Bem, já me estendi nesse assunto. Estou no aguardo da "panorâmica craniana", fui exortado a tirar o meu cordão de São Jorge e os novos fones Haylou. Viva a China! Viva o comunismo freestyle! Pro inferno esses sisos fudecos de Dante!...


quinta-feira, 17 de julho de 2025

Racional


 

A caminho da dentista, dois caras de branco me abordam. Um deles me entrega um panfleto enquanto o outro gesticula alguma dissertação sobre a religião que o Tim Maia seguiu por um tempo — a Cultura Racional. Não ouvi absolutamente nada, de fones, dia bom para ouvir minha playlist Djaetano. Aprendi que sorrir e balançar a cabeça, como a dizer que sim, pacífica qualquer pregador, em minutos eles se despedem e vão embora. Será que estou sendo rude? Veja bem, eu assinto com a cabeça e finjo atenção de maneira convincente, não sou um monstro... Foi o que ela disse, como diria o Michael Scott. Achei curioso. Não sabia que ainda existia a Cultura Racional, dado o momento histórico em que há tanto desvalor cultural. E Racional! Onde que hoje em dia alguém se interessa ao que diz respeito à Razão? Há situações em que é melhor nem tê-la. Nesse ínterim tocava aquela versão de Asa, do Djavas. Uma névoa púrpura! Voltando. Nesse ritmo, logo, me abordarão poetas e filósofos e músicos, artistas, etc. Todos com seu panfletinho. Os ouvirei. Direi que sim. Sorrirei. Fingirei atenção. Eles vão embora. Eu vou embora. C'est la vie

PS: Se futuramente o link da música Asa cair, trata-se da versão com o Marcus Miller fazendo amor com um baixo no palco. Apesar do Hiram Bullock.

quarta-feira, 16 de julho de 2025

A Nova Morte


Cruz e Sousa em Broquéis

 
Deixamos as solenidades dos ritos de passagem. É um sinal concreto o fato de que, para bem ou mal, vivemos mais do que nos tempos de Cruz e Sousa. Que bad vibe a da Morte. Se antes ela, com suas manias de nos matar, estava sempre presente, cheia dos badulaques e grinaldas de renda preta, vinha em corcel alado, trocava figurinhas com Emily Dickinson, tomava chá com Antero de Quental, era musa de muitos drogados como eu... hoje passa quase despercebida, uniformizada a caráter, uma tarjeta no peito escrita: Morte, número de inscrição: 001, olheiras, coque desfiado, hálito de nicotina, um mau humor de proletária sem sindicato, liga de madrugada para seu único amigo, Caronte, aos prantos, pois vendeu suas férias, pegou covid na pandemia e continuou trabalhando, a coitada!
Não há mais pompas, menos ainda quem use a palavra "pompa", e tudo bem, pompa é broxante mesmo. Porém, à custa de uma pompinha de merda, todo um arsenal de ombros de gigantes é jogado na sarjeta do olvido? Ah, não, cara, aí é pedir demais desse seu desumilde aluado. Afinal, é para isso que estamos aqui, para deixar para trás o supérfluo e inovar! Não há tempo para despedidas ou para ler sequer uma sentença, é preciso ser útil, digo, viver! Mas tanto faz, né? É preciso a tragédia para a beleza emergir, mesmo que seja do esgoto. Então tome este relato como argumento inútil, como a arte.

Do amanhecer e da palavra



Nunca é tarde para a palavra. Que quero dizer? É exatamente isso: a palavra. Os algoritmos nos entregam, com suspeita rapidez, o produto, a performance vazia, vazia de quê? Sentido! A imagem, nesse scroll infinito, satura-se. Entretanto, a palavra, essa resiste milênios, perde significado, ganha outros rumos, decaem-lhe as propriedades do carbono, adapta-se animalescamente, sedimentam-lhe estromatólitos vocativos, flexionam-se as consoantes, amputam-lhe as tremas, os hifens, enfim, o ponto é este... 
No entanto, palavras são somente palavras. Que quero dizer? Não somente isto: a palavra é. Ela é tão somente aquilo que nos traz sentido dentro do contexto, pois se não há contexto, não há nada, e nada absolutamente, o Nada fora do niilismo. E o que é o contexto da palavra, se não a consciência? — essa singularidade que deu vida a Deus!
No momento, parafraseando a Izabela Cosenza, boto fé na palavra orgânica. Na contemplação. Obviamente subvertendo o curso contemporâneo que nos leva, bovinamente, nesta manada desenfreada de estímulo e consumo, até nos descarrilar no desfiladeiro de um abismo indiferente ao nosso olhar. Encontro prazer neste universo oculto, nesse outrora que está aqui presente. E ainda há tanto para descobrir, tanto que uma vida só não basta.
Hoje amanhece vagarosamente no Condado. 

segunda-feira, 14 de julho de 2025

O pequeno leitor da Bíblia encontra Satã

Cruz e Sousa em Broquéis



Cresci numa família extremamente religiosa e fundamentalista — vulgo crentes. Mas aqui não tomarei as dores de Satã, que dele já se foi dito muito. Falarei sobre a desobediência como pecado.
Obedecer cegamente, sem refletir na ética da ordem, é tido como virtude em certos grupos. O que é mais que natural, já que somos frutos do meio, com exceção dos frutos podres que se recusam à mordida comum, que são decompostos naturalmente no solo e na melhor das hipóteses alimentam os psitacídeos.
Desde criança existia uma obrigação em ler a Bíblia todo maldito dia, não esperavam, talvez, que eu realmente a lesse. E ler a Bíblia de forma não anacrônica é com certeza pior do que negar a Palavra. Daí enumerei contradições, e batata! Fui pego pelo método científico, e em tempo de vestir meu manto enxofrado de agnóstico, ou pior, de um desviado! Conheci um fato revisado por pares e ele me libertou. Satã é uma figura, não é? Rebelde, rebelde. Deus o pôs para sofrer eternamente, e qual o pecado? Revolução! Antifascismo! Comunismo! Será daí a fábula que comunas comem crianças? Pensando bem, minha mãe fez bem com aqueles questionários bíblicos, ensinou-me a usar o dicionário, ela tinha tudo para me amar, onde foi que errei? Acho que a primeira poesia que li foi do necromante Salomão...

domingo, 13 de julho de 2025

Chegou o Cruz e Sousa




Domingo. Para digestão do almoço, nada melhor que um livro velho-novo. Não fosse minha falta de apetite recorrente. Ei-lo! Edição de uns 45 anos. Desci um pouco do meu altar deprê para revisitar o maior simbolista da língua portuguesa! Também o mais sofrido, grande não só por isso, mas também por isso, não sejamos bocós. Coisa óbvia é que "ostra que não sofre, não faz pérola", como já disse um velho por ali, não me lembro em que meme. Mas no caso do Cruz, isso foi levado ao extremo, o destino quis mesmo assinalar o estigma, assim mesmo, bem redundante. Fico emaranhado de cismas, sabe. É tanta coisa para ler, em paralelo tem também os blogs, os blogs! Eu e essa minha mania de querer adivinhar alguém pelos seus textos. E se for IA? Adivinharei no vazio? Não creio que IAs podem compor poemas como o Cruz, que morte ou que dor versariam? O blackout? A indentação? O erro 404? IAs podem fazer poemas, mas poesia... será? Também que sei eu sobre a maldita poesia?
Teve poesia na morte do Cruz. A mesma morte que levou de fome os filhos, de tubérculose a mulher, essa morte mais classuda, de mão áspera, exalando brutalidade.
Então voltei à adolescência e leio um poeta preferido. Apaixono-me pela menina mais bonita, e mais experiente, faço-lhe decassílabos e vou dormir sonhando. Não venha a morte me encher!

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Ter um gato

 

 
Você pensa que os tem, mas quem nos tem são eles. 
Tem-me a Lua. Essa gata cheia de nãometoques foi acolhida em nossa casa com seu irmão, o finado Pacato, e com sua mãe, Bolacha. Servíamos de lar temporário até que, por apego deliberado, passamos a lar infinito. Desde então ela nos tem.
Aqui me intriga o fato de que minha mãe sempre tratou bem seus gatos, por mãe entenda-se "narcisista psicótica que faz um ótimo bobó de camarão". Penso agora que há um paralelismo entre minha genitora e o Bigodinho Alemão: esse amor por animais. Não se assuste, nem me imponha o julgamento desnaturado, desumano, ingrato aos pais, veja que só falei de minha mãe, não do meu pai, e o fato de ter me parido não a isenta das atrocidades que cometeu, além de me parir. Mais tarde abrirei esse leque.
Perdi a conta de quantas vezes pertenci a um gato, aliás, cheguei a ser de cinco ao mesmo tempo. Era uma felicidade elevada à quinta.
Pensei em trocar o título para Ser de um gato, mas a beleza da conversão do assunto talvez perdesse o punch

O que pretendo?


Pensei neste espaço como um diário. Sim, um diário, por que não? Foi assim que comecei, lá pros 11 ou 10 anos, a escrever. 
É certo que meus familiares não sabem desse desvio de caráter, os tenho em meu coração, não serei eu esse monstro a lhes expor tal agrura! Deus os livre!
É terápico o emprego da palavra escrita, digo, digitada. Arrependo-me de tanta coisa; queimei meus primeiros cadernos de versos, pensamentos, desenhos, tive também alguns livros queimados. O que mais doeu foi aquela edição de As flores do Mal da Nova Fronteira, aquela com a capa vermelha. Digamos que fiz por merecer o castigo.
Então, que pretendo? Ainda não o sei bem, espero descobrir no caminho.